Ao lado de caixas de
alfajores e garrafas de vinho, um aviso ajuda a captar a atenção dos turistas
brasileiros no centro da cidade argentina de Puerto Iguazú: "Aceitamos
Pix".
Mas este não é o único
estabelecimento a aceitar o pagamento instantâneo que se popularizou no Brasil.
No município, que faz
fronteira com a cidade paranaense de Foz do Iguaçu, vários comerciantes vêm
aceitando o Pix de olho no poder de compra dos brasileiros e do real, enquanto
o peso argentino perde valor dia a dia com uma inflação que galopa a mais de
100% ao ano.
"Não podemos correr o
risco de perder clientes brasileiros", diz à BBC uma vendedora argentina
que não quis se identificar e explicou que aderiu ao Pix mesmo tendo que pedir
ajuda a um amigo com conta no Brasil para receber o dinheiro.
Em outros locais da cidade,
comerciantes contaram que usavam o Pix por meio de contas de familiares e que
até fizeram sócios brasileiros.
Agora, o que começou como um
"jeitinho" na fronteira encontrou um caminho oficial.
Desde junho, o Pix já pode
ser usado em lojas em todo o território nacional argentino, especialmente em
pontos turísticos, por iniciativa de uma plataforma de pagamentos digitais
argentina privada que, de certa maneira, se antecipou ao plano oficial do Banco
Central de exportar a tecnologia de pagamentos instantâneos para os vizinhos.
A iniciativa foi encabeçada
pela empresa KamiPay, cujos criadores, que trabalham com parceiros no Brasil,
viram na afluência de brasileiros na Argentina (são o terceiro maior grupo de
turistas, depois de uruguaios e chilenos, ou 15% do total de visitantes) e na
"complexidade" cambial da economia local uma oportunidade de
negócios.
"Ninguém anda mais com
maços de dinheiro, e no Brasil vimos como é comum o uso do Pix, da carteira
digital", diz à BBC News Brasil Nicolas Enrique Bourbon, cofundador da
KamiPay, que negocia para expandir seu "Pix tipo exportação" também
para Uruguai e México.
Pela plataforma, o pagamento
é feito em real por meio de leitura de QR Code, como no Brasil, e o uso da
tecnologia blockchain agiliza as operações para que o comércio argentino receba
na hora o pagamento.
"O turista brasileiro
que chega aqui, com um emaranhado de cotações, fica até confuso", acrescenta
Bourbon.
A Argentina possui,
atualmente, pelo menos cinco cotações do dólar mais conhecidas. Na imprensa
local, especula-se que elas possam chegar a 15.
O Banco Central da República
Argentina informa que existe apenas uma cotação, a do dólar oficial. No
entanto, diariamente, os portais de notícias informam as demais cotações, como
a do dólar blue (paralelo), a mais popular para uso local, a do MEP, definido
pelo mercado financeiro, e a do turismo, por exemplo.
Na sexta-feira (14/7), o
dólar oficial era cotado a 277 pesos, o chamado dólar blue, a quase 520 pesos,
e o turista, a 554 pesos. No câmbio que tem como referência o dólar blue, o
valor do real era cotado a cerca de 100 pesos.
Neste sentido, se o turista
brasileiro usar seu cartão de crédito para efetuar pagamentos, pagará uma
cotação muito menos vantajosa — algo que torna o dinheiro vivo, mesmo que em
uma pilha de cédulas, a escolha preferida.
Por isso o apelo da KamiPay,
que, para atrair os clientes, oferece a comerciantes e clientes a cotação
regulada pelo dólar blue.
O Banco Central da República
da Argentina mostrou, sem citar diretamente o Pix, que reconhece o sistema
levado ao país pela iniciativa privada.
Em um comunicado recente,
informou que os "turistas poderão pagar com carteiras eletrônicas a um
tipo de câmbio que terá como referência os dólares financeiros".
Popularidade
do real
Os comerciantes
entrevistados pela BBC News Brasil veem o Pix como uma alternativa positiva
pela rápida transferência de dinheiro para suas contas e como uma forma de não
perder para a inflação.
No mês de junho, a inflação
argentina subiu 6%.
Nos primeiros cinco meses do
ano, o índice oficial acumulou alta de 50,7%.
Em 12 meses, entre maio de
2022 e maio de 2023, a inflação chegou a 115,6%.
Mariana Dappiano, empresária
argentina do ramo de moda, conta que decidiu aderir ao Pix colocando,
inclusive, um adesivo que sinaliza a disponibilidade da forma de pagamento na
vitrine da sua loja no bairro de Palermo.
"Entendemos que para o
turista é muito estressante vir às compras com muitos pesos. O Pix é algo novo
aqui, nos ofereceram e aceitamos imediatamente para agregar uma experiência
amigável para o consumidor brasileiro", diz Dappiano, que tem negócios em
vários países.
Segundo a comerciante, um
cliente já usou o Pix para compras, mas, com as férias de inverno e a
expectativa de incremento do turismo brasileiro, ela acredita que a forma de
pagamento terá mais adeptos.
"É algo muito novo
ainda, mas com potencial de crescimento, sem dúvida."
De Mendoza, um dos polos
produtores de vinho e destino usual de turistas brasileiros, representantes do
setor de vinhos entrevistados pela BBC News Brasil dizem desconhecer a
existência do Pix, mas confirmam a popularidade do real.
"O que vemos aqui são
brasileiros com reais ou dólares, trocando no paralelo, e saindo com uma pilha
de pesos para pagar os consumos", conta um assessor de imprensa do setor
vitivinícola de Mendoza.
Em locais turísticos da
cidade de Buenos Aires, como em pequenos mercados do bairro da Recoleta e bares
de San Telmo e Palermo, é possível pagar a conta com reais, recebendo o troco
em pesos.
Nas vitrines de lojas do
centro da cidade também passou a ser comum a informação sobre a cotação do
real, um sinal de que mais comerciantes estão aceitando a moeda brasileira.
"Nós entendemos que é,
muitas vezes, mais prático para o turista brasileiro pagar em real. Por isso,
aceitamos", diz o vendedor Jorge Salas, do bar La Chopperia, em Palermo.
Real
x yuan
A atual crise da economia da
Argentina inclui, além da desvalorização do peso e da inflação, a escassez de
divisas (em dólares) nas reservas do Banco Central — afetadas, principalmente,
pela seca histórica que drenou os dólares gerados pelas exportações do setor
agropecuário do país.
Por isso, no país que
aprendeu a pensar em dólar por causa da crise econômica crônica, a moeda
americana é ainda dominante, mas há outros experimentos em curso.
Além da maior aceitação do
real, há a chegada da moeda chinesa, o yuan, o que faz o movimento ganhar ares
de disputa geopolítica.
Desde a semana passada, o
Banco Central argentino autorizou que sejam abertas contas bancárias na moeda
da China logo depois que o governo assinou em Pequim um acordo que permitiu à
Argentina receber US$ 10 bilhões (R$ 48 bilhões) para reforçar as reservas do
país.
A mesma escassez de dólares
faz o presidente Alberto Fernández buscar um acordo com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva para que empresas brasileiras possam ser financiadas para
exportar à Argentina.
O arranjo com o Brasil, no
entanto, está em negociações, segundo fontes do governo argentino.