Acabei de pensar na felicidade social como sendo um conjunto de sentimentos bons que temos em relação à sociedade em que vivemos. Conformam a felicidade social os sentimentos que decorrem na nossa sensação de pertencimento, da nossa identificação com as demais pessoas da sociedade, ao enxergarmos nelas características nossas, ou seja, quando notamos que as pessoas da nossa sociedade dividem conosco semelhantes valores, costumes, tradições, gostos, culturas, etc.

Compreendidos neste feixe de sentimentos estão também os que decorrem da nossa satisfação e orgulho em relação ao sucesso da nossa sociedade: o vibrar com os bons indicadores econômicos e com cada avanço conquistado, por exemplo. Há também aquelas satisfações que decorrem dos feitos e sucessos individuais: um prêmio Nobel e um atleta medalhista em competição internacional são capazes de gerar um grande orgulho aos demais.

Dito isso, quero especular sobre a nossa felicidade social, ou seja, sobre a felicidade social do brasileiro. Será que nós, brasileiros, temos um bom nível do que chamamos aqui de felicidade social? 

A mim me parece que a resposta a essa questão é muito clara: não, não temos: a nossa felicidade social é baixíssima. O que temos - e ainda acho que nem é muito - é alguma felicidade social em relação a nossa comunidade próxima, formada por nossos parentes a amigos - em algumas situações pode ser um pouco mais ampla, para abranger a comunidade de um bairro ou um grupo de migrantes que se irmana e se apoia, sobretudo pelo fato de passarem por semelhantes dificuldades no estrangeiro (brasileiros em Miami, por exemplo). 

Mas a nossa felicidade social não passa desses limites, pois quando o campo de análise se amplia para a nação, aí ela praticamente inexiste. Digo praticamente porque temos, ainda que muito estranhamente, uma espécie de felicidade social durante a Copa do Mundo de futebol, pois, nesse momento - e só nesse, e desde que tenhamos sucesso durante o torneio - conseguimos sentir uma certa felicidade social por sermos brasileiros. Mas é só nessa situação, o que me parece algo muito bizarro e digno de uma análise profunda. Afinal, temos dia e hora marcados para nos irmanarmos, para nos reconhecermos como de uma mesma “tribo”. E isso a cada longo intervalo de 4 anos e sob uma condição muito difícil, qual seja, a de que o nosso time vá muito bem no campeonato (o que não tem acontecido nos últimos anos - aliás, muito pelo contrário).

Creio que essa falta de felicidade social seja um grande problema. E essa espécie de doença social nos acomete a todos, inclusive os que têm boa condição material, intelectual e emocional. 

Que ela atinge os pobres, ninguém há de duvidar: expostos a toda sorte de carências, desemparados pelo Estado e vítimas do desprezo com que o resto da sociedade lhes trata, não há como supor que possam ser socialmente felizes. 

Mas também os remediados sofrem da doença. Afinal, além de estarem à mercê de para onde sopram os ventos e viverem atemorizados com a possibilidade - sempre concreta - de migrarem para um patamar inferior, os remediados têm de conviver com as injustiças diárias que são perpetradas contra os mais pobres e que, por vezes, são praticadas justamente em benefício deles, remediados: a empregada doméstica ou a faxineira que faz por eles o serviço doméstico a troco de injusta remuneração lhes confere mais tempo para trabalhar numa atividade melhor remunerada, mais tempo para cuidar da instrução dos filhos, etc. Esse estado de coisas corrói por dentro o lado humano da classe média. E mesmo que ela lute para não enxergar isso (e ela luta bravamente!), ou seja, mesmo que ela se mova para arrumar justificativas para a injustiça que lhe passa na cara todos os dias (seja dando valor a chamada meritocracia  - sabidamente uma falácia -  seja assumindo uma postura conservadora na política, seja negando o preconceito que traz dentro de si), no fundo, bem no fundo, essa classe média tem como sintoma uma profunda melancolia em decorrência disso – e nem aquelas viagens dos sonhos, nem aquela varanda “gourmet” e tampouco aquela bicicleta cara com aquela roupinha e capacete esquisitos conseguem desfazer o gosto amargo no canto da boca. 

Mesmo os da classe média alta, os ricos e os podres de ricos não podem escapar dos efeitos da nossa falta de felicidade social, dessa nossa melancolia coletiva. “Mas esses ricos vivem num mundo à parte, num verdadeiro “apartheid” social, longe, muito longe dessas mazelas todas”, alguns dirão. Mas esse é o país deles também e, por mais que tentem negar, no fundo eles se sentem responsáveis pelas injustiças a que o nosso povo está sujeito. Não é difícil supor que se sintam recriminados pelos olhares dos estrangeiros quando estão passeando por outros países e são reconhecidos como brasileiros. Afinal, eles são os que detém o poder de ditar os rumos do país. Assim é que, qual a sua sombra, a pecha de desumano e indiferente ao sofrimento do seu povo acompanha o brasileiro rico em todos os lugares que vá. Ademais disso, quero quer que nenhuma justificativa consiga efetivamente aplacar a dor da alma do brasileiro rico pela injusta situação de desigualdade social que insistimos em manter neste país. Quero crer que nem o seu “especial” olhar para o belo, nem a sua “cultura acumulada” e nem o seu “apurado” paladar são no fundo capazes de amainar o desconforto que o descaso com o seu próprio povo lhes causa no fundo do coração.

Enfim, que ninguém se engane: não haverá quem (em sã consciência, é preciso ressalvar) conseguirá bem viver mantendo um irmão trancado para fora da casa, passando fome e frio, podendo recebê-lo e lhe dar um mínimo conforto. A felicidade social que não temos, enfim, talvez seja a nossa própria e sonhada felicidade, a minha, a sua, a de todos.