Muitas tradições da Páscoa —
como os pães doces e o almoço de domingo — vêm do cristianismo da era medieval
ou até das crenças pagãs mais antigas. Mas o ovo de chocolate é uma reviravolta
mais recente.
Ovos de galinha são consumidos
na Páscoa há séculos. Há muito tempo, os ovos simbolizam o renascimento e a
renovação, o que os torna perfeitos para comemorar a história da ressurreição
de Jesus, que coincide com a chegada da primavera no hemisfério norte.
Atualmente, a Igreja Católica
permite o consumo de ovos durante o período de jejum da quaresma, mas, na Idade
Média, eles eram proibidos, junto com a carne e os laticínios. Os chefes de
cozinha medievais, muitas vezes, encontravam formas surpreendentes de contornar
a proibição — e até faziam ovos falsos para substituir os verdadeiros.
Na Páscoa — um período de
celebração — os ovos e a carne, como o cordeiro (outro símbolo de renovação),
voltavam à mesa.
Mesmo depois que os ovos foram
permitidos nas refeições no período de jejum, eles continuaram ocupando lugar
de destaque no banquete de Páscoa. O escritor de livros de receitas do século
17 John Murrell recomendava "ovos com molho verde", uma espécie de
pesto feito com folhas de azedinha.
Em toda a Europa, os ovos
também eram oferecidos como dízimo para as igrejas locais na Sexta-Feira Santa.
Pode ter sido daí que surgiu a
ideia de dar ovos de presente.
A prática foi abandonada em
muitas áreas protestantes depois da Reforma, mas algumas aldeias inglesas
mantiveram a tradição até o século 19.
Não se sabe exatamente quando
as pessoas começaram a decorar os ovos, mas as pesquisas apontam para o século
13, quando o rei inglês Eduardo 1º (1239-1307) deu ovos embalados em folhas de
ouro de presente para seus cortesãos.
Sabemos também que, alguns
séculos mais tarde, pessoas de toda a Europa coloriam seus ovos. Normalmente,
escolhiam o amarelo, usando cascas de cebola, ou vermelho, com raízes de
plantas rubiáceas ou beterraba.
Acredita-se que os ovos
vermelhos simbolizassem o sangue de Cristo. Um autor do século 17 indicou que
essa prática vinha dos primeiros cristãos da Mesopotâmia, mas é difícil saber
ao certo.
Na Inglaterra, a forma mais
popular de decorar os ovos empregava pétalas de flores, que geravam impressões
coloridas. O Museu Wordsworth, na região de Lake District, ainda conserva uma
coleção de ovos feitos para os filhos do poeta William Wordsworth (1770-1850)
nos anos 1870.
Dos ovos secos para os de
chocolate
Pintar ovos com padrões
coloridos ainda é uma atividade comum na Páscoa, mas, atualmente, esses ovos
são cada vez mais associados ao chocolate. Quando ocorreu essa mudança?
Quando o chocolate chegou pela
primeira vez à Grã-Bretanha no século 17, era uma novidade fascinante e muito
cara.
Em 1669, o Conde de Sandwich
pagou 227 libras por uma receita de chocolate do rei Carlos 2º (1630-1685). O
valor equivale a 32 mil libras (cerca de R$ 204 mil), em valores atuais.
Hoje em dia, o chocolate é
considerado um alimento sólido, mas, na época, era uma bebida normalmente
condimentada com pimenta, seguindo as tradições maias e astecas.
E, para os ingleses, essa nova
e exótica bebida era diferente de tudo o que eles já haviam experimentado. Um
autor a chamou de "néctar americano": uma bebida para os deuses.
O chocolate logo se tornou uma
bebida da moda entre os aristocratas, muitas vezes oferecida de presente, como
símbolo de status. E essa tradição permanece até hoje.
A bebida também era apreciada
nas recém-abertas cafeterias de Londres. O café e o chá também haviam acabado
de ser introduzidos na Inglaterra, e as três bebidas rapidamente mudaram a
forma como os britânicos interagiam socialmente entre si.
Foi naquela época que os
teólogos do catolicismo, de fato, relacionaram o chocolate à Páscoa, mas devido
à preocupação de que tomar chocolate infringiria as práticas de jejum durante a
quaresma.
Após intensos debates, ficou
definido que o chocolate preparado com água poderia ser aceitável durante o
jejum. Pelo menos na Páscoa — uma época de festa e celebração — o chocolate era
aceito.
O chocolate continuou sendo
caro até o século 19. Em 1847, a empresa Fry’s (que hoje pertence à fábrica de
chocolates inglesa Cadbury) produziu as primeiras barras de chocolate sólidas,
que revolucionaram o comércio do produto.
Com isso, o chocolate ficou
muito mais acessível na era vitoriana, mas ainda era visto com certa
complacência. E, trinta anos mais tarde, em 1873, a Fry’s desenvolveu o
primeiro ovo de Páscoa de chocolate como uma iguaria de luxo, mesclando duas
tradições relacionadas à troca de presentes.
Mesmo no início do século 20,
esses ovos de chocolate ainda eram vistos como um presente especial e muitas pessoas
nunca comiam os que ganhavam. Uma mulher no País de Gales chegou a guardar um
ovo de 1951 por 70 anos e um museu em Torquay, no sul da Inglaterra,
recentemente comprou um ovo que estava guardado desde 1924.
Somente nos anos 1960 e 1970,
os supermercados começaram a oferecer ovos de chocolate a preços mais baixos,
esperando lucrar com a tradição da Páscoa.
Com as preocupações crescentes
sobre a continuidade da produção de chocolate e a gripe aviária reduzindo a
produção de ovos, a Páscoa poderá ter aparência um pouco diferente no futuro.
Mas, se há uma coisa que os ovos de Páscoa podem nos mostrar é a capacidade de
adaptação das tradições.
*Serin Quinn é aluna de PhD do
Departamento de História da Universidade de Warwick, no Reino Unido.