Série: As mulheres que eu conheci

Olá! Agradeço a cada um que enviou um comentário a respeito das histórias passadas! Fico feliz em poder escrever essas lembranças; algumas me emocionam também. 

O meu padrão é escrever as histórias das mulheres que eu realmente conheci, algumas das quais já faleceram; outras, não sei por onde andam, mas todas são pessoas reais. Pequenas modificações são necessárias, para que a privacidade delas, de certa forma, seja mantida.  

A história de hoje vai além. É a primeira autorizada, por assim dizer, pela Maria. E se você está lendo, é porque ela leu e aprovou a publicação.

Eu não me lembro muito bem quando vi a Maria pela primeira vez, só sei que era uma menina bem nova, provavelmente foi por foto, já que ela morava na região Centro-oeste do nosso querido Brasil. A primeira notícia que chegou a mim é que ela e sua família estavam vivendo em situação muito precária. Maria, a irmã ainda menor e o irmão mais velho estavam com risco de morte, se continuassem vivendo naquelas condições. Os parentes tomaram conhecimento e mandaram dinheiro para que migrassem para a região Nordeste, terra de origem dos seus pais. Fizeram pequena pausa em São Paulo, de algumas horas, e rumaram para o nordeste: 2 adultos e 3 crianças. O sentido contrário do grande êxodo que aconteceu em nosso país ou até mais um pouco: do Nordeste para o Sudeste; do Sudeste para o Centro-oeste; do Centro-oeste passando pelo Sudeste, enfim, a volta para o Nordeste, e ainda não era o fim.

No Nordeste, começam pequenos dramas vividos por Maria. O pai, um mulherengo incurável; a mãe, uma apaixonada/aprisionada a um homem que nunca lhe ofereceu muita coisa. Aos olhos de todos em volta, ninguém conseguia entender aquele relacionamento tóxico. 

Os pais de Maria estavam com o casamento marcado, mas foi cancelado pela desconfiança de uma traição da Mãe de Maria. A traição nunca foi confirmada, mas o casal permaneceu vivendo junto. A mãe de Maria vivia um relacionamento abusivo, ainda não sei se contarei essa história toda, mas o ponto final no relacionamento com esse homem foi uma surra, uma daquelas grandes. Quem viu, não sabe como a Mãe de Maria saiu viva daquela surra. A família do pai de Maria colocou panos quentes na história e enviou Maria, a mãe e os irmãos para São Paulo. Uma nova vida se anunciava, mas os dramas não pararam.

Recomeçaram a vida, se uniram como família. A Mãe de Maria conseguiu comprar uma casinha em uma área de ocupação. Enfim, tudo parecia se encaminhar bem. Certa feita, uma tia de Maria foi visitar a família e constatou algo impressionante. A mãe de Maria estava com feridas profundas na boca, sangrando, babando sem parar, dores pelo corpo e pele, e o que se seguiu foi uma das piores tragédias que eu pude acompanhar de perto.

Toca o telefone, era a tia de Maria. Pela liberdade que tem comigo, ela disse: “Ronny, preciso da sua ajuda, tenho que voltar para minha casa e alguém precisa cuidar da Mãe de Maria; ela está internada e está muito mal, e não tem ninguém para socorrer.”

Sem titubear, corri para lá, e o terror começou, vou tentar descrever a cena que vi:

            - Olhos vendados.

            - Sangue escorrendo pela boca, o sangue estava seco, parecia sangue de uns 2 ou 3 dias.

            - A porta do quarto não tinha fechadura, algumas ataduras eram usadas como maçaneta.

            - Corpo sujo, provavelmente fezes e urina.

            - O cheiro era quase insuportável.

            - Descobri depois que ela estava já há algum tempo sem evacuar.

Comecei a procurar alguém responsável pela internação. Eu falo alto, na verdade eu falo muito alto. A situação exigia alguns decibéis a mais. Apareceu um enfermeiro que pediu paciência, e em 30 minutos voltei ao quarto e ela estava limpa, a pela negra brilhava. Mas a coisa não era simples, não havia diagnóstico e, dia após dia, ela piorava. Nessa época, Maria era uma criança de uns 9 anos talvez. Eu temi pela vida da mãe de Maria.

Passei a visitar o hospital todos os dias. Consegui falar com o diretor, e ele disse a possível doença da Mãe de Maria, uma doença extremamente rara: Síndrome de Lyell . O Google diz:

“A síndrome de Lyell é uma forma extensa de necrólise epidérmica tóxica caracterizada por destruição e destacamento do epitélio da pele e das membranas mucosas envolvendo mais de 30% da superfície corporal.” 

Coloque esse termo na internet para ver o que acontece, se você tiver estômago fraco. Não só isso: se você se impressiona fácil, não abra imagens dessa doença, fica o conselho. A explicação do diretor foi a seguinte: 

            - Senhor Ronny, de cada 100 médicos, talvez um pudesse salvar a mãe de Maria.

Pois bem, não encontramos esse 1 médico, e, 16 dias depois da internação, nua, com a pele totalmente exposta como uma ferida gigantesca, a mãe de Maria faleceu. Cuidamos do velório e de todos os trâmites. Nesse período todo não vi Maria, só a encontrei no dia do sepultamento, e nossa história se cruzou para valer desde então. 

As ordens da Mãe de Maria foram claras: Maria para tia 1, a irmã para tia 2 e o irmão de volta para o Nordeste com o Pai. Antes de morrer, pressentindo o que viria, me deu essas ordens. Vou tentar segui-las - eu prometi, ali no leito de morte. Não é algo que acontece todos os dias, eu ficava muito abalado a cada visita.

A família encontrou o Pai no Nordeste; enviou dinheiro para a viagem dele. Sendo todos menores de idade, era necessário passar a guarda para as tias. Fui até o Fórum e deram de 6 meses a 1 ano para sair uma guarda provisória. Foi aí que me lembrei que conhecia um advogado muito antigo na cidade. Fui até ele, e, gratuitamente, fez todos os trâmites, e em pouco tempo conseguiu uma audiência na vara da infância, e o que era para 6 meses saiu em poucos dias. O que me deixou muito enfurecido é que o pai teve o seguindo diálogo comigo:

            - Ronny, será que demora para sair essa guarda?

            - Eu não sei, respondi incrédulo. Mas retruquei. Por quê? Qual o motivo da pressa?

            - Ele disse: Eu preciso voltar para minha casa, estou perdendo tempo aqui.

O homem estava passando a guarda dos filhos para uma terceira pessoa e chamou de perda de tempo. Infelizmente, terei de fazer menção a este senhor mais para frente.

Tudo acertado, a configuração familiar ficou estranha o irmão de Maria não quis seguir as orientações da mãe e arrumou outro lugar para viver, e as meninas rumaram para o Espírito Santo na casa da tia 1. Ficaram por lá até decidirem voltar para a cada da tia 2. Algum tempo depois a tia 1 mudou de casa Maria foi morar com ela. Aqui começa outro drama.

O irmão de Maria foi assassinado; tristeza. Agora Maria só tem a irmã, visto que o pai sumiu.

Quando tudo parecia se encaminhar para uma necessária paz, visto que Maria tinha uma família de 5 e agora foi reduzida a 2, mais uma vez algo inesperado acontece.

Toca o telefone, a tia 1, a mesma que ligou para mim para falar da Mãe de Maria, desesperada, diz: “Ronny, Maria está mal, não consegue levantar-se da cama.” Corri para lá. Chegando, vi uma cena impressionante: a jovem, antes bem fortinha, estava totalmente molenga, sem forças, olhar perdido, não conseguia ficar em pé. Corremos com ela para o hospital e os primeiros dados eram alarmantes, febre alta, 41ºC, 42ºC, e eu me lembrei da Mãe de Maria. Uma das possíveis causas da morte da Mãe de Maria foi alergia ao medicamento Dipirona. De imediato, dei o alerta: “Não usem dipirona, a família dela tem um histórico com esse medicamento.”

A partir daí, nada faz sentido ou tem explicação humana.

            - Maria foi levada para outro hospital.

            - No dia seguinte, já estava na UTI.

            - A febre não cedia.

            - Uma junta médica se debruçava nos exames, e ninguém entendia o que estava acontecendo com a moça.

            - Os dias foram passando e a angústia e a lembrança da Mãe de Maria sempre voltavam à minha mente. Eu só pedia a Deus para não ter que cuidar do velório também da Filha; isso era demais para mim.

A essa altura, Maria já era membro da minha igreja. Além de muito próximos por seu histórico, ela era uma pessoa por quem sentia ter responsabilidade, pelo menos me sentia assim.

Passei a viajar todos os dias 85km para visitar e acompanhar o caso de perto. Eu precisava assumir aquela situação e foi o que eu fiz. Maria seguia apagada; 5 dias de UTI e nada; 10 dias de UTI, nada; 13º dia de UTI, encontrei com certeza a pior médica que alguém pode encontrar na vida, ela foi categórica:

            - Senhor Ronny, se Maria sair dessa, ela vai ficar sequelada, o que ela tem é Encefalite Herpética. Eu sou infectologista, e ela vai ficar com sequelas graves. 

Depois fui entender: quem tem essa doença pode viver como um vegetal por longos anos. Saí do Hospital naquele dia muito, muito triste. Mas a Bíblia diz: “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Não foi pela manhã, mas foi à tarde. Às 14h, no horário de visita da UTI, encontrei um médico, que foi um anjo em nossas vidas. Hospitais possuem muitos anjos, pessoas que estão ali porque amam mesmo o cuidado de pessoas. Então ele me disse algo que mudou minha vida para sempre.

            - Amigo Ronny, o corpo humano é fantástico, a médica que atendeu acha que porque é especialista, ela sabe de tudo, mas eu digo, quanto mais conheço essa máquina chamada corpo humano, mais eu sei que ela é maravilhosa e faz coisas fantásticas. Fique tranquilo, ninguém pode prever o que vai acontecer com Maria. Você é Pastor, então, deixe Deus agir.

Contrariando tudo e todos, Maria acordou no 16º dia. Cheguei à UTI, ela estava com os olhos abertos, e a primeira coisa que pediu foi o Whatsapp. Sem falar ainda, pelos tubos em sua garganta por longos dias, fez sinal com as mãos, querendo ver o whatsapp. 

Eu ali sofrendo, a família sofrendo, e Maria preocupada com o Whatsapp. Os próximos dias foram especiais, Maria ia se recuperando dia após dia.

Relutei, mas vou falar sobre o “Pai”. É importante falar sobre isso. Encontraram o Pai no Rio de Janeiro, e ali pelo 10º dia de UTI, achando que a “filha” iria morrer, ele fez o esforço de visitá-la no hospital. Foi um dia tenso para todos. Mas foi a última vez que ele viu a filha, pois até hoje, mais de 5 anos depois, ele nunca mais apareceu.

Então, no 28º dia, Maria foi para o quarto, e no 54º dia ela saiu do hospital. Andando. Isso mesmo: andando, contrariando aquela médica. Ela não tinha sequelas aparentes, ela andava, falava, usava as mãos, apenas a voz estava prejudicada. Não precisou de medicamentos nem de tratamentos especiais. Fomentamos uma rede de oração mundial por Maria; eu recebia no meu telefone 3 centenas de mensagens por dia para saber de Maria. Foi impressionante!

Algum tempo depois, Maria encontrou o homem da sua vida. Eu realizei o noivado e fui o celebrante do casamento. Passados alguns meses, eu olhei para Maria e disse: “Acho que você está grávida” - ela ficou brava. Ela seguiu sua vida, tudo caminhava bem, os ciclos menstruais normais. Mas começou a sentir que tinha algo diferente, estava ganhando muito peso. Foi ao médico e estava grávida, talvez mais de 7 meses de gestação. Eu estava na África quando recebi a notícia. 

Em quarenta dias a criança nasceu, uma linda menina. Nada na vida de Maria é comum! Uma gestação surpreendente, uma menina linda e com saúde! Tive o privilégio de apresentar essa princesa na Igreja.

Quando eu olho para o passado, vejo que Deus foi muito bom com Maria, e comigo, em poder ver cada milagre em sua vida! É um grande privilégio ver milagres acontecendo à sua frente! Certa vez eu escrevi: “você só verá milagres se estiver disponível, você só verá milagres se for um milagre na vida das pessoas, pequenos e grandes milagres acontecem todos os dias.”

Pare, olhe à sua volta, e veja onde você pode ser um milagre. Ajudar alguém sem esperar nada em troca, no tempo passado e no tempo que vivemos, é ser um milagre.

Quando vi aquela menininha, não imaginava acompanhar tão de perto essa trajetória de mulher, mãe e esposa.

Em todo o tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão.”