Dos monitores de sono até os
medicamentos para ficar acordado, o século 21 vem trazendo um conjunto de novas
tecnologias capaz de alterar radicalmente a forma como dormimos.
Muitas dessas novas
tecnologias pretendem otimizar o sono. Elas prometem ajudar a adaptar o
cronograma do sono à nossa vida social, ajudar-nos a dormir por mais tempo ou até
pular uma noite de sono por completo.
Analisamos aqui como a
tecnologia vem permeando o nosso sono e o que nos reserva o futuro.
Hora
de acordar
As pílulas para dormir
receberam recentemente a companhia de uma série de medicamentos para ficar
acordado, que são alternativas supostamente mais seguras e potentes do que a
cafeína.
Aparentemente, elas
funcionam melhor com pessoas que já dormem pouco e não têm grande efeito sobre
as pessoas que já estão bem descansadas.
O modafinil é conhecido por
efeitos de aumento da cognição (especialmente em pessoas com falta de sono) e,
supostamente, pode manter as pessoas acordadas e alertas por vários dias
seguidos. Alguns estudos científicos demonstram que, realmente, pode ser
verdade, mas os resultados são contraditórios. Outras pesquisas demonstram
efeitos similares à cafeína.
A droga foi desenvolvida
para ajudar pessoas com narcolepsia, mas começou a ser usada por seus efeitos
de aumento da concentração.
A venda de modafinil é
controlada na maioria dos países (permitida apenas com receita médica). As
pessoas que usam a droga para aumentar a cognição ou para ficar acordado
compram o remédio no mercado clandestino ou com amigos que conseguiram a
receita.
O modafinil é popular entre
estudantes. Em 2020, pesquisadores da Universidade de Loughborough, na
Inglaterra, concluíram que, dos 506 estudantes pesquisados em 54 universidades
britânicas, 19% haviam tomado substâncias para aumentar a cognição.
Mas as pessoas que tomam
essas drogas para fins não medicinais estão colocando sua saúde em risco. Os
estudos sobre a segurança dessas drogas não consideram este tipo de uso. Por
isso, não sabemos o que o seu consumo para ficar acordado por longos períodos
de tempo pode causar para a saúde das pessoas.
O que sabemos é que
desestabilizar os padrões de sono (por exemplo, com turnos de trabalho) foi
relacionado a problemas de saúde, como diabetes e doenças cardiovasculares.
Estudos recentes indicam que
algumas pessoas estão combinando remédios para dormir e para ficar acordado
para gerenciar o ritmo do corpo, otimizar o sono e relaxar após um dia de
trabalho árduo. Mas os efeitos de tomar as pílulas para ficar acordado com
outras drogas são praticamente desconhecidos.
No Reino Unido, é contra a
lei vender ou fornecer remédios não aprovados ou vendidos apenas com receita
médica. Nos Estados Unidos, até o porte de estimulantes sem receita já é crime.
No Brasil, as cores das
tarjas nos medicamentos indicam as regras para venda, estabelecidas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As maiores restrições são
para os de tarja preta, que só podem ser adquiridos com prescrição médica (e
fica retida com o farmacêutico).
Sono
inteligente
Muitas pessoas já usam
relógios inteligentes, joias inteligentes e pulseiras inteligentes para
monitorar o sono — como alarmes que acordam as pessoas do seu ciclo de sono no
momento ideal e aplicativos sensores de movimento que analisam os padrões de
sono.
Novas formas de monitorar o
sono poderão incluir em breve o uso de pijamas com sensores embutidos, para
monitorar mudanças de postura, batimentos cardíacos e respiratórios. Ou abraçar
um travesseiro-robô, com um algoritmo que cria um padrão de respiração para
você imitar, o que ajudar a adormecer.
Paralelamente, já foram
testados no Japão robôs assistentes para saber se eles podem ajudar os idosos a
dormir melhor.
Projetados para uso em casas
de repouso, os robôs fornecem aos funcionários informações sobre a qualidade de
sono dos moradores e avisa se alguém sair para uma caminhada noturna.
Nos
seus sonhos
Já o desenvolvimento de
tecnologias de gestão dos sonhos ainda se encontra em estágio muito incipiente.
Os cientistas acreditam que
os dispositivos e tecnologias de estimulação sensorial, como os visores de
realidade virtual, podem ser utilizados para a engenharia do sono. Esta nova
ciência inclui a exposição da pessoa que está dormindo a estímulos sensoriais,
como sons de cliques e vibrações, em momentos específicos do ciclo do sono.
O objetivo seria melhorar a
qualidade do sono, aumentar a memória e até tratar pacientes com transtorno do
estresse pós-traumático (TEPT).
Também estão surgindo
progressos sobre a possibilidade de “ler” os nossos sonhos. Os cientistas deram
os primeiros passos rumo à interpretação dos sonhos, medindo a atividade
cerebral durante o sono e usando a inteligência artificial para decodificar as
imagens visuais.
Em 2013, pediu-se aos
participantes de um estudo que relatassem as imagens dos seus sonhos depois de
dormirem dentro de um aparelho de ressonância magnética. Os pesquisadores
compararam seus exames com pessoas que observaram os mesmos tipos de imagem
quando estavam acordadas e os resultados demonstraram padrões de atividade
cerebral coincidentes.
A
tecnologia dos pesadelos
Mas existe um lado distópico
nesta história. A tecnologia já disponível (luz elétrica, smartphones, serviços
de streaming) pode ser desastrosa para o nosso sono.
Um estudo recente nos
Estados Unidos demonstrou, por exemplo, que os estudantes universitários
costumam dormir com o telefone celular na cama com eles. Isso significa que
ligação, atualização de software ou notificação de aplicativo pode incomodá-los.
Assistir à televisão ou
jogar vídeo games na cama, olhando para as telas dos tablets e telefones
celulares noite adentro passou a ser comum para muitas pessoas. Este hábito
pode gerar sono de má qualidade e desajustar totalmente os nossos ciclos de sono.
Cada vez mais pessoas estão
procurando tratamento para novas condições do sono, como a ortossonia – a busca
obsessiva pelo sono perfeito, similar às preocupações prejudiciais com a
alimentação. Algumas pessoas ficam tão preocupadas em melhorar suas avaliações
do sono que, por fim, acabam ficando com insônia.
Ainda temos muito a aprender
sobre o sono e as novas tecnologias estão mudando o ato de dormir com mais
rapidez do que os cientistas podem acompanhar.
Mas uma coisa parece quase
certa: o sono e a tecnologia da sociedade ocidental estão ficando cada vez mais
interligados.
*Catherine
Coveney é professora de sociologia da Universidade de Loughborough, no Reino
Unido.
Eric
L. Hsu é professor de sociologia da Universidade do Sul da Austrália.
Este
artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The
Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão
original em inglês.