Iniciativa,
da OMS e o Unicef, simboliza luta pelo incentivo à prática
Considerado o alimento mais
completo para os bebês, o leite materno sacia a fome, contribui para a melhora
nutricional, reduz a chance de obesidade, hipertensão e diabetes, diminui os
riscos de infecções e alergias, além de provocar um efeito positivo na
inteligência e no vínculo entre mãe e bebê.
O leite materno é repleto de
anticorpos, fundamentais para a saúde e a resistência do bebê a doenças, por
isso é fundamental que a criança o receba como única fonte de alimento até os
seis meses. Especialistas, no entanto, sugerem que ele deve continuar até os
dois anos ou mais, ou seja, não há limite de idade para a amamentação.
A importância da amamentação
para o pleno desenvolvimento das crianças é tema da campanha Agosto Dourado,
criada em 1992 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O Agosto Dourado simboliza a
luta pelo incentivo à amamentação – a cor dourada está relacionada ao padrão
ouro de qualidade do leite materno. De acordo com a OMS e o Unicef, cerca de 6
milhões de vidas são salvas anualmente por causa do aumento das taxas de
amamentação exclusiva até o sexto mês de idade.
O Ministério da Saúde mantém
este mês a campanha "Todos pela amamentação. É proteção para a vida
inteira”. O evento ocorre anualmente em parceria com a Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP).
Os benefícios do aleitamento
materno são inúmeros, no entanto, segundo a OMS, apenas 39% dos bebês
brasileiros são amamentados com exclusividade até os cinco meses de vida.
Mesmo com a introdução da
alimentação complementar após o sexto mês, a amamentação e o leite materno
continuam a ter vantagens para a criança e para a família, diz o pediatra
Roberto Mário Issler, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno
da SBP e professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Para muitas crianças, é uma
importante e significativa fonte de nutrientes, especialmente na falta de
outros alimentos para serem ofertados; tem ainda efeitos protetores contra
infecções mais comuns, como a diarreia e a infecção respiratória, além de
minimizar o risco de alergias e obesidade. É muito mais prático e tem menor
custo, além de promover o contato mais íntimo entre mãe e filho”.
Para a criança, o
aleitamento materno promove menor prevalência de doenças infecciosas como
otite, pneumonia, gastroenterite. Os efeitos a médio e longo prazo para a saúde
da criança amamentada são a menor prevalência de obesidade, dislipidemias,
doenças alérgicas.
“É um alimento específico, com todos os
nutrientes, proteínas, fatores de proteção imunológica, gordura e
micronutrientes. Pesquisas mais recentes têm mostrado que existe quase uma
unicidade entre o leite da mãe e a criança, ou seja, trata-se de uma secreção
quase que personalizada individualmente em seus componentes. A mulher que
amamenta tem menor prevalência de câncer de mama e de ovário. Oferece uma série
de estímulos sensoriais pelo contato entre mãe e filho, com efeitos na formação
de vínculos afetivos entre os dois”, reforça o pediatra.
Entre tantos profissionais
que atuam na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, os pediatras
têm papel fundamental pela sua atuação diretamente com a dupla mãe-criança.
A SBP, com a participação
ativa do Departamento Científico de Aleitamento Materno, tem buscado
proporcionar aos pediatras informações atualizadas para qualificar o
atendimento às mães, seus filhos e suas famílias. “Essa atuação ocorre em
diversos momentos: na consulta pediátrica de pré-natal, no atendimento em sala
de parto, proporcionando o contato pele a pele na primeira hora pós-parto -
quando a mãe e a criança apresentam condições satisfatórias para isso - depois, no acompanhamento no alojamento
conjunto e, após a alta da maternidade, nas consultas de puericultura nos
primeiros anos de vida”, afirma Issler.
Desafio
A amamentação é importante,
porém pode ser um desafio. As especialistas alertam que, apesar das
dificuldades que podem ocorrer, é preciso insistir o tempo que for necessário
para que se crie esse vínculo entre mãe e filho e a amamentação aconteça.
Um dos passos fundamentais
para ter sucesso na amamentação é estar bem informada e criar uma rede de
apoio, aconselha a ginecologista e obstetra Laura Penteado, diretora da Theia,
clinica de saúde centrada na mulher gestante. “Pesquise sobre os benefícios, as
técnicas e dificuldades frequentes da amamentação. Tire suas dúvidas durante o
pré-natal, consulte profissionais especializados e peça ajuda a amigos e
familiares”.
Ela também sugere à gestante
se preparar, conhecendo seu próprio corpo. “Observar como é seu seio, sua
aréola e principalmente seu mamilo: protuso, plano ou invertido. Mamilos
invertidos podem dificultar a amamentação, então converse com sua médica ou
consultora de amamentação e saiba o que fazer para ganhar mais bico”.
Outra orientação é não
hidratar os mamilos. “Cremes hidratantes podem afinar a pele dos mamilos e
facilitar fissuras”, afirma a médica, que completa. “Tome banho de sol: O sol
ajuda a tornar a pele do mamilo um pouco mais espessa e previne fissuras. Tome
dez minutos por dia, das 8h às 10h, para
evitar temperaturas elevadas e não causar queimaduras”. Escolha um sutiã adequado, acrescenta. “Uma
boa sustentação mamária reduz o inchaço das mamas, promove maior conforto e
diminui a mastalgia (dor mamária)”.
Um mito comum é sobre o
“leite fraco”. “Não existe leite fraco. Até o leite de mulheres desnutridas
contém o essencial para o desenvolvimento do bebê. Mas, para melhor qualidade
do leite, o recomendado é que a mãe tenha uma alimentação saudável e
equilibrada. Ela não deve ingerir bebida alcoólica e deve conversar com sua
médica sobre medicamentos de uso contínuo, se podem passar para o leite e se
devem ser substituídos”, afirma a ginecologista.
Tipos
de leite materno
O colostro é o primeiro
leite, ele é rico em anticorpos e é fundamental para o sistema imunológico do
bebê, produzido em pequena quantidade, mas altamente nutritivo.
Leite de transição: da
apojadura (descida do leite) e até 15 dias após o parto. Há um aumento da
produção e maior teor de gordura. Leite maduro: apresenta diferentes
características ao longo da mamada e possui vitaminas, minerais e proteínas
essenciais.
Um mito antigo é que alguns
alimentos ajudam a aumentar o leite. A médica, no entanto, afirma que não.
“Nenhum alimento irá aumentar os hormônios relacionados com a produção e ejeção
do leite. O que realmente estimula a produção é a sucção do bebê: quanto maior
a frequência maior a produção hormonal”.
A mãe também deve fazer a
hidratação materna adequada: o leite materno é rico em água e a desidratação ou
baixa ingestão de líquidos pode interferir na quantidade de leite a ser
produzida. O descanso materno e o ambiente calmo também contribuem para a
amamentação. “O estresse pode reduzir os hormônios responsáveis pela produção e
ejeção do leite. A rede de apoio é importante, a mãe deve cercar-se de pessoas
que incentivam a amamentação”.
Rede
de apoio
A consultora de amamentação
da Theia, Amanda Sena, explica o papel da rede de apoio. “A amamentação leva um
tempo para se estabelecer - para que a mulher consiga se envolver e se dedicar
ao processo sem preocupações desnecessárias, ter pessoas com ela realizando
outras tarefas da casa, auxiliando nos cuidados com o bebê e cuidando também da
mulher, apoiando e incentivando a amamentação e até mesmo afastando pessoas com
comentários indesejados. Tudo isso ajudará a blindar a amamentação para que ela
consiga alcançar seus objetivos”.
A recomendação de entidades
e especialistas é o aleitamento materno exclusivo por seis meses e
complementado até os dois anos ou mais. Mas, na opinião da consultora, até um
ano de idade o leite humano é o principal alimento do bebê, a alimentação
sólida é que é complementar nesse período.
“Tanto que é comum perceber
alimentos inteiros nas fezes do bebê, ou seja, seu organismo ainda não consegue
digerir aquele alimento para usar os nutrientes. Após esse período, embora a
criança já possa estar aceitando bem a comida sólida, o leite humano ainda é
importante fonte de alimento, fornecendo nutrientes e energias de fácil
absorção”, observa a consultora.
Ela cita os anticorpos que
continuam passando da mãe para o filho, ajudando na prevenção de infecções.
"O corpo da mulher continua produzindo um leite nutritivo durante toda a
amamentação, ele nunca será só água. Assim, a amamentação prolongada vai ser
uma excelente fonte de energia, nutrientes e proteção para a criança, e também
uma continuidade da relação mãe-bebê. Não há motivos para indicar o desmame
quando mãe e criança estão bem e felizes”, defende Amanda.
Bebês
de alta complexidade
A presença do leite materno
na recuperação da Luísa, de 2 anos e 4 meses é fundamental para a sua recuperação.
Ela foi diagnosticada com leucemia
linfoide aguda (LLA) quando tinha 1 ano e 4 meses, e começou o tratamento.
Recentemente precisou passar por uma ECMO (técnica de suporte de vida
extracorporal) onde ficou 12 dias no aparelho, 11 na unidade de terapia
intensiva (UTI) e, mesmo internada,
recebia o leite materno. Assim que foi extubada, voltou a amamentar.
“O leite foi extraído da mãe
e passado por meio de sonda. A gente viu que realmente ajudou bastante na
recuperação dela e na aceitação das próprias medicações que poderiam ser feitas
por sonda para que ajudassem no tratamento. A gente tinha tentado outras dietas
e dar somente medicação pela sonda, sem sucesso. A partir do momento em que
colocamos o leite da mãe bem devagar, junto com as medicações e depois com um
pouco da outra dieta, vimos que tudo começou a dar certo, que ela aceitou as
medicações e depois a outra dieta, de forma plena. Mesmo tendo um diagnóstico
tão grave, a presença do leite materno na recuperação da Luísa foi
fundamental”, relatou a cardiologista pediátrica Rafaella Gato, diretora do
programa de ECMO do Departamento de Cardiologia do Sabará Hospital
Infantil.
A mãe de Luísa conta que
insiste no aleitamento materno porque sabe dos benefícios. “Sei que mesmo
depois de anos amamentando, o leite materno não perde suas propriedades.
Continuo também porque, por meio desses momentos de amamentação, construí uma
conexão com a minha filha muito grande e ela adora esse momento só nosso. Ele
foi um grande aliado no tratamento, durante e depois de procedimentos doloridos
é "mamando" que minha filha encontra conforto”, disse a enfermeira de
formação Nádia Cristina Oliveira Lima.
O apoio emocional do marido
tem sido importante no aleitamento da Luísa, relata o bancário Luiz Henrique de
Souza Santos. “Nesse processo sou coadjuvante. Porém, quando vejo que está
difícil para ela, procuro incentivá-la, elogiá-la, proponho algum programa para
que possa se distrair, pois sei o quanto elas gostam desse momento e é notável
o quanto o aleitamento materno faz bem para a Luísa”.
“Todo bebê, mesmo de alta
complexidade, está apto a receber o leite materno. Por isso, acompanhamos pais
e bebês para ajustarmos a melhor dinâmica de acordo com as condições
neurológicas, de sucção, gástrica e qual a melhor via, se é necessário o uso da
sonda para que a criança receba o alimento”, explica a coordenadora do Setor de
Fonoaudiologia do Sabará Hospital Infantil.
Entre todas as vantagens da
amamentação, ela também proporciona ao bebê o crescimento e o desenvolvimento
da face e das estruturas orofaciais: lábios, língua, mandíbula, bochechas,
garantindo sua harmonia como em nenhum outro
utensílio para alimentar o bebê, completou o fonoaudióloga.
“E, como consequência, a
amamentação pode prevenir disfunções orofaciais que levam a alterações da respiração, da deglutição e
da fala. Dessa maneira, ao ser exposto à sucção promovida pela amamentação, o
bebê apresentará as melhores condições para desenvolver futuramente a
mastigação e a fala, funções que demandam o músculo muito desenvolvido no
exercício da amamentação”, disse Denise.
Incentivo
Desde 1981, o Ministério da
Saúde coordena estratégias para proteger e promover a amamentação no Brasil.
Segundo a pasta, o país tem 301 hospitais Amigos da Criança que promovem dez
passos para o sucesso do aleitamento materno. São repassados, por ano, R$ 18,2
milhões para as unidades.
Além disso, o Brasil tem 222
bancos de leite humano e 219 postos de coleta. Em 2020, cerca de 181 mil
mulheres doaram mais de 226 mil litros de leite materno. Neste ano, até junho,
foram doados 111,4 mil litros.
No ano passado, o Ministério
da Saúde investiu R$ 16,9 milhões, em caráter excepcional, na proteção e apoio
ao aleitamento materno e na alimentação complementar adequada para crianças
menores de dois anos na Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB), da
Atenção Primária à Saúde.
A estratégia para incentivar
a amamentação vem apresentando resultados. Os índices nacionais do aleitamento
materno exclusivo entre crianças menores de seis meses aumentaram de 2,9%, em
1986, para 45,7% em 2020. Já o aleitamento para crianças menores de quatro anos
passou de 4,7% para 60% no mesmo período.
“Passar de um aumento de 4%
para 60% é muita coisa. A gente que trabalha com a saúde sabe que um aumento
desse tipo em poucos anos é algo que mostra a robustez, a fortaleza das
campanhas que vêm acontecendo nos últimos anos”, destacou o secretário de
Atenção Primária à Saúde, Rafael Câmara Parente.
Leite
materno e covid-19
Atualmente, muitas mães
ficam em dúvida se o ato de amamentar implica risco de infecção pelo leite
materno para mulheres que testaram positivo para o novo coronavírus. Segundo a
Sociedade Brasileira de Pediatria, não há risco de transmissão do SARS-CoV-2
pelo leite materno, por isso não há razão para evitar ou interromper a
amamentação.
“Lactantes assintomáticas
devem permanecer com seu recém-nascido em regime de alojamento conjunto para
fortalecer o aleitamento materno, muito importante neste momento de pandemia”,
informou, em nota, a a entidade.
“Até o momento, não existem
evidências da transmissão do vírus pelo leite materno. A recomendação da OMS é
que a mãe infectada pelo novo coronavírus mantenha a amamentação exclusiva até
os seis meses”, reforça a ginecologista Laura Penteado. No entanto, é
necessário manter as devidas precauções, como lavagem das mãos com sabão ou
álcool em gel antes e depois de tocar o bebê e o uso de máscara.
Para as mães que contraíram
a covid-19 é indicado suspender a doação de leite humano, respeitando o
protocolo de segurança técnica e o controle de qualidade determinado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a seleção de doadoras.
Doação
Especialistas do Banco de
Leite do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) têm observado aumento no
número de mães interessadas em doar leite materno, além dos cuidados
relacionados à amamentação. No início da pandemia de covid-19, o setor recebeu
147 ligações em seis meses, que representam 93,6% do total de ligações
recebidas em um ano se comparado a 2019. Segundo o HSPE, boa parte das ligações
foi feita por mães em busca de orientações sobre o processo de doação do leite
materno e do fornecimento do produto doado aos bebês.
O Banco de Leite Humano do
HSPE recebe doações e faz coleta externa na região. Basta a doadora entrar em
contato pelos telefones (11) 4573-8172 ou (11) 4573-8247 e fazer um
agendamento. A equipe do hospital vai até a residência dela para entrevistá-la
e avaliar. Na ocasião, ela recebe toda a orientação de higiene, como ordenhar o
leite, conservá-lo adequadamente, além de fornecer o material necessário para a
coleta.
Qualquer mulher em fase de
amamentação pode ser uma doadora, basta ser saudável e não tomar medicamento
contraindicado para essa fase. É importante ressaltar que todo leite doado é
analisado e passa por testes de qualidade, processamento, pasteurização e só
então é ofertado aos bebês prematuros.
As interessadas em leite
materno podem procurar como doar em sua cidade no site da Rede Brasileira de
Bancos de Leite Humano.