É sempre bom se perguntar: “- Eu sou um provável cancelador? Ou seria um possível cancelado?” Partindo dessa premissa, podemos estabelecer um conceito sobre o que significa essa cultura tão temida na atualidade, onde poderia ser o EGO ou uma PROJEÇÃO falando? Talvez os dois, mas vamos por partes.

A palavra cancelamento está intimamente ligada à eliminação, exclusão, tornar sem efeito, desqualificar, tornar inútil, e se depois de ler essas palavras você não é capaz de sentir o peso da sua aplicação, nas atitudes que tornam seus efeitos tão potencializadores vindo de uma massa que mais parece uma onda de ódio desenfreada, voraz e com sede de “justiça”, é importante rever alguns conceitos, pois você automaticamente já sabe a resposta da pergunta “CANCELADOR vsCANCELADO”.

É possível afirmar que se trata de uma forma moderna de ostracismo, complementando o conceito, onde uma pessoa ou um grupo é expulsa de uma posição de influência ou fama devido a atitudes consideradas questionáveis, o que na antiga Grécia significaria dizer quese trata dcondenaçãode um cidadão que, por sua grande influência nos negócios públicos e por seu distinto merecimento ou serviços, se receava que quisesse atentar contra a liberdade pública, que se traduz em ignominia.

Importa dizer que essa anulação ou reprovação que ocorre diariamente pode ter mais haver com nós mesmos do que com a atitude que estamos repudiando ou cancelando, afinal, não deixa de serdois lados de uma mesma moeda, onde e as vezes hipocrisia por parte do canceladornada mais é que a representação de um espelho se analisado por essa ótica, pois podemos reproduzir da mesma forma o que estamos reprovando, não olhando para nós, apenas para o outro, tipificando um caso claro de projeção.

Existem incontáveis exemplos que podem ser facilmente aduzidos nessa pauta, considerando a força, o crescimento e a visibilidade que essa prática vem conquistando, é possível estabelecer uma data para esse “game changer” de alcance global, um marco, que se deu em meados de 2017, com o movimento #MeToo, originalmente levantado no Twitter pela atriz Alyssa Milano, onde ela sugeriu que todas as pessoas que já sofreram assédio publicassem a hashtag.

Não seria surpresa um movimento como esse ampliar o alcance, mas o que talvez não tenha sido calculado é que esse movimento ganhasse um palco MUNDIAL, e com isso, trouxesse com ele uma grande parcela de julgadores na internet, que as vezes dá impressão que é terra de ninguém, e por esse motivo, as pessoas se sentem à vontade para se expressar como bem entendem, no momento em que acharem oportuno, da forma que bem desejarem, o que geralmente ocorre completamente sem filtro algum e na maioria das vezes de forma muito equivocada.

Esse Tribunal Virtual, composto por juízes fiscalizadores da internet poderia, no entanto, ser de todo útil, se usado de forma imparcial e seguindo alguns princípios básicos, que serão elucidados em breve, pois antes de mostrar como o cancelamento pode ser positivo, é importante demonstrar o critério utilizado hoje em dia, para que fique exposto e explícito o motivo pelo qual isso deve começar a ser repensado, a partir de cada um que se consideraparte dessa composição de lunáticos fervorosos na internet.

Os estágios do cancelamento ocorrem geralmente em três módulos, o primeiro normalmente é temporário “como um soft ban”, é um banimento parcial que serve de advertência, o segundo já é um “ban permanente”, definido por uma exclusão social mais definitiva, mais intensa e integral. O terceiro já envolve outra questão, onde além de contar com o segundo ponto, agrega o linchamento, seja social ou virtual.. Essa conduta ocorre principalmente com artistas, pessoas com grande visibilidade nas redes, ou até mesmo com empresas, onde após o julgamento, essa onda começa o linchamento respaldado por milhares de pessoas, com ofensas, mensagens de ódio, o que é deveras grave, pois isso pode ocasionar lesões psicológicas ou até físicas dependendo do caso, o que em resumo, acarreta em grandes prejuízos.

De certa forma, se pararmos para analisar a forma como acontece, chegamos rapidamente à conclusão de que está literalmente tudo errado, pois o cancelamento deveria ser educativo, não punitivo, sendo assim, deveríamos estar dispostos a aceitar o erro, desde que esse tenha sido alvo de retratação, sob o juramento de não mais acontecer e realmente não ser mais praticado ou dito.

É muito mais fácil punir ao invés de educar, e isso é óbvio, fica cada vez mais evidente, considerando a nossa sociedade, porém a educação é o caminho que deve ser considerado sempre, e em primeiro lugar, pois é com erros que podemos nos redimir e acertar, o que acontece é que essa “chance” sequer é considerada, pois apontar o dedo é “muito mais divertido” -contém sarcasmo-.

As pessoas ou empresas tem o direito de errar e assumir erros, e evidentemente são esses que devem ter uma segunda chance, só que o monopólio do ódio gratuito é sempre o caminho mais curto e aqui, o que se defende é que não podemos mais admitir o uso desse conceito como uma arma, por pessoas que muitas vezes não sabem nem o motivo de estarem atirando.

É fato que essa cultura não ajuda, e aproveitando o conceito, é oportuno citar Paulo Freire “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” e é sobre isso, esse é o retrato atual do uso do cancelamento, que é burro, e não há outra palavra para definir, é simplesmente burro.

Devemos sim olhar com mais cuidado para o próximo, pensar mais nas atitudes que tomamos e na proporção das mesmas, pois na grande maioria das vezes, o que acontece é um efeito manada cancelador que acaba por ferir e não educar, então podemos concluir que de nada ajuda, é ineficaz. Devemos sim estar dispostos a perdoar, ensinar, dar oportunidades, pois a mudança começa em nós, e um dia você pode ser cancelador, em outro cancelado, então cuidado, um pouco de empatia nunca fez mal a ninguém, não é agora que vai começar a fazer.