Em decorrência da alta do desemprego e da inflação, a combinação de aceleração de preços e queda de renda obriga milhares de brasileiros a mudar seu cardápio básico de alimentação, optando por produtos mais em conta ao invés dos tradicionais arroz, feijão e óleo. No lugar, banha de porco, lentilha e ovo, em especial neste momento em que o botijão de gás supera R$100 em inúmeras cidades, incluindo Tietê.

Com a redução, também, do valor do auxílio emergencial, que está em R$250 padrões, contrários aos R$600 padrões concedidos no ano de 2020, o Instituto Locomotiva classifica a situação como de uma “calamidade gigantesca”, inclusive por a taxa de desemprego ter subido 14,7% no primeiro trimestre deste ano.

De acordo com a coordenadora de relações internacionais da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar - Rede Penssan, Ana Maria Segall, as frutas e as verduras são os primeiros alimentos cortados das principais refeições diárias, o que põe o Brasil em situação de insegurança alimentar, o que significa dizer que um número imensurável de pessoas não vem tendo acesso pleno e seguro a alimentos de qualidade de acordo com a dieta padrão de uma população. Em seguida, são retirados carne e derivados de leite, o que explica a escalada no consumo de ovos no decorrer dos últimos meses.

O arroz mais nobre vem sendo substituído pelo quebrado, como consequência deste quadro. Apesar de não possuir diferenças em termos nutricionais para outros tipos, fora sua aparência, este tipo de grão é costumeiramente exportado para a África, tendo sofrido aumento de 5% da safra total do cereal, com preços domésticos subindo. 

No caso do feijão, a indústria sofre pela seca e geada e aposta no bandinha, que sai a preços inferiores a R$5, enquanto o padrão se aproxima e até ultrapassa R$7 em determinados locais.

A carne bovina teve, também, o consumo reduzido paralelamente à redução do valor do auxílio emergencial, enquanto em Cuiabá - MT há filas de pessoas esperando por doações de restos de ossos de boi.

Apenas em 2020, o consumo de suínos, aves e ovos cresceu 9,1%,, percentual que se manteve estável no primeiro trimestre deste ano, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal - ABPA. O consumo de bovinos caiu 7%. Na cesta dos mais carentes, há presença de maior quantidade de apresuntado, empanado e pão industrializado, cujo consumo cresceu 14,8% e 11%, respectivamente, entre março de 2020 e de 2021, de acordo com a consultoria Kantar.

O cenário contrasta com o enfrentado pelas classes mais baixas nas duas últimas décadas, em especial entre os anos de 2004 e 2013, quando se verificou aumento na distribuição de renda e elevação da renda média por consequência, possibilitando uma melhora no padrão de consumo. O quadro vem sendo revertido desde 2015.

Segundo o professor do programa de pós-gradução em Ciência Sociais da PUC-RS, André Salata, “a partir do segundo trimestre de 2020, esse processo de radicalizou. Todos perdem, mas quem está na base perde proporcionalmente mais”. Isto porque, apesar de a escalada de preços ser sentida por todos indiscriminadamente, ela afeta, inevitavelmente, as camadas mais pobres da sociedade.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea demonstrou que a faixa populacional com renda inferior a R$1.650,50, considerada muito baixa, registrou uma inflação acumulada em 12 meses até junho deste ano de 9,24%. O gás pressiona o orçamento também, com um aumento de 24,25% no mesmo período, além do aumento das contas de luz em razão da crise hídrica enfrentada. O IBGE divulgou que as tarifas de energia residencial acumularam uma alta de 14,2% neste período.

Como divulgado pelo GNTC, o relatório do Banco Mundial desta última terça, 20, os reflexos da pandemia deverão afetar o salário dos trabalhadores brasileiros por até nove anos ainda, além dos impactos serem sentidos, a princípio, especialmente pelos profissionais com menor grau de instrução e qualificação, visto que este fator os coloca em vulnerabilidade no mercado de trabalho.

Além do mais, neste mês de junho se completou um ano sem efetivo aumento dos salários dos trabalhadores, de acordo com dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, segundo quem o reajuste médio ficou em 0,6%, um percentual abaixo da inflação registrada pelo Índice de Preços ao Consumidor - INPC.