“Abelhas jataí, ótimas para
polinizar seu jardim, fazemos envios para todo o Brasil”. Anúncios como esse
não são raros na internet e, em alguns cliques, é possível adquirir a própria
colônia de abelhas sem ferrão. Esse comércio, no entanto, sem as devidas
autorizações e cuidados, é ilegal e uma das principais ameaças à conservação de
espécies brasileiras.
O biólogo e pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma) Antônio Carvalho desenvolveu métodos de mineração de dados na internet para analisar anúncios de vendas de abelhas sem ferrão. Ele desvendou uma rede de vendedores que opera ilegalmente o comércio em mercados de vendas online no Brasil. A pesquisa foi publicada na revista inglesa Insect Conservation and Diversity e divulgada pela Agência Bori.
Carvalho encontrou na internet vendedores de 85 cidades brasileiras. A maioria está localizada em áreas da Mata Atlântica, que comercializam colônias de abelhas a preços que vão de R$ 70 a R$ 5 mil. Ao todo, o pesquisador mapeou 308 anúncios de vendas ilegais entre dezembro de 2019 e agosto de 2021. Juntos, esses anúncios somavam R$ 123,6 mil. As vendas são feitas em espaços de fácil acesso. A maior parte, 79,53%, por exemplo, está no Mercado Livre.
Existem, no Brasil, mais de 240 espécies de abelhas sem ferrão. Os principais grupos visados pelos vendedores nos 308 anúncios observados no estudo foram jataí (Tetragonisca angustula), diversas espécies de uruçu (Melipona spp.), mandaguari (Scaptotrigona spp.) e abelhas-mirins (Plebeia spp.). Entre as mais cobiçadas estão a uruçu-capixaba (Melipona capixaba) e a uruçu-nordestina (Melipona scutellaris), abelhas em perigo de extinção.
“A gente já trabalha com
essas espécies há muito tempo e já sabe que estão sendo inseridas a uma
velocidade muito grande, principalmente nos últimos anos, por causa do tráfico
e por causa da venda clandestina pela internet”, diz Carvalho. “Eu posso citar
vários problemas que podem levar inclusive ao desaparecimento dessas abelhas,
favorecendo a crise mundial de polinizadores que a gente vem enfrentando”,
alerta.
Desequilíbrio ambiental
O estudo mostra que o
comércio ilegal de abelhas pode gerar sérios desequilíbrios ambientais. “As
abelhas são responsáveis pela polinização de quase todas as plantas que a a
gente conhece e utiliza”, diz, Carvalho. “Elas visitam uma flor e levam o pólen
de outra. Por isso têm frutos e grande diversidade nas florestas. Sem pedir
nada em troca, as abelhas acabam protegendo o ambiente de forma
geral. A função ecossistêmica delas é importantíssima”.
O pesquisador explica que
introduzir espécies em novos ambientes sem os devidos cuidados pode causar
desequilíbrios, prejudicando a reprodução das plantas e, consequentemente, a
produção de alimentos no campo e nas cidades, além de ameaçar espécies locais
de abelhas e outros insetos.
As abelhas podem ainda levar
consigo alguns parasitas que não são comuns a esse novo ambiente, com o risco de
contaminar a fauna local. Além disso, as abelhas transportadas podem não se
adaptar ao clima do novo local e morrer.
O que diz a lei
Carvalho ressalta que a
criação de abelhas, mesmo em áreas urbanas, não é proibida e nem a sua
comercialização, mas é necessário que os interessados tenham os devidos
registros nos órgãos ambientais e que sejam tomados cuidados para evitar
prejuízos à fauna e à flora local.
De acordo com a Resolução 496/2020 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), a criação de abelhas-nativas-sem-ferrão deve ser “restrita à
região geográfica de ocorrência natural das espécies” e é necessária
autorização ambiental para a comercialização. Para transportá-las, é necessária
a emissão de Guia de Transporte Animal (GTA), documento oficial de emissão
obrigatória para o trânsito intradistrital e interestadual de animais.
“Eu vi no meu trabalho que a
maioria dos vendedores comercializa até três colônias por anúncio. Então, são
raros os que chamo no trabalho de vendedores regulares, ou seja, os
profissionalizados, aqueles que fazem e sabem que estão fazendo errado e vendem
muitas colônias”, explica Carvalho.
Para ele, além de ações por
parte do governo, com fiscalizações e conscientização e ação conjunta da
comunidade científica e da comunidade em geral, uma forma de combater o
comércio ilegal é conscientizando os próprios criadores.
“Eu trabalho com
meliponicultores há muitos anos, vejo que a lei veio e eles ainda não se
adaptaram. Vejo que a principal forma é a educação dos meliponicultores para o
problema, para que entendam que eles são as principais vítimas, porque as
próprias colônias deles podem sofrer com a inclusão de parasitas no ambiente
onde estão fazendo seus negócios. Trazer os meliponicultores para o nosso lado
é muito importante”, defende o pesquisador.
Combate ao comércio
ilegal
Em nota, o Mercado Livre diz
que, conforme preveem os seus termos e condições de uso, é proibido o anúncio
de espécies da flora e fauna em risco ou em extinção. A venda é proibida pela
legislação ou pelas normas vigentes, assim como o anúncio de espécies de fauna
silvestre. "Diante disso, assim que identificados, esses anúncios são
excluídos e o vendedor notificado, podendo até ser banido
definitivamente".
A empresa informa ainda que
combate proativamente "o mau uso de sua plataforma, que conta com
tecnologia e equipes dedicadas para identificação e moderação dos conteúdos.
Além disso, atua rapidamente diante de denúncias que podem ser feitas pelo
poder público, por qualquer usuário diretamente nos anúncios ou por empresas
que integram seu programa de proteção à propriedade intelectual".
A nota acrescenta que o
Mercado Livre não é responsável pelo conteúdo gerado por terceiros, conforme
prevê o Marco Civil da Internet e a jurisprudência consolidada do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) para plataformas de intermediação, mas que mesmo
assim, atua no combate à venda de produtos proibidos e auxilia as autoridades
na investigação de irregularidades.
O Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi procurado, mas não
se posicionou até o fechamento desta matéria.