Em uma rápida busca na
internet, é possível encontrar mais de dez sites diferentes que anunciam a
venda de cogumelos do tipo Psilocybe cubensis, apelidados de "cogumelos
mágicos" no Brasil.
Algumas das páginas oferecem
os cogumelos inteiros ou desidratados embalados à vácuo, exaltando suas
propriedades psicodélicas e ritualísticas, enquanto outras comercializam as
chamadas micro dosagens, já calculadas para um consumo controlado com objetivos
terapêuticos.
Muitos dos sites ainda
prometem entrega em até 24 horas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e
afirmam enviar os produtos em embalagem discreta e sem remetente.
Não há dados atualizados sobre
o consumo de cogumelos para fins recreativos ou medicinais no país, mas
especialistas da área afirmam notar um aumento recente na popularidade desses
alucinógenos naturais.
Segundo eles, a tendência
muito provavelmente é impulsionada pela facilidade com que esses fungos podem
ser adquiridos, assim como pela divulgação de diversas pesquisas e
documentários nos últimos anos sobre os possíveis benefícios do uso dos
cogumelos para tratamento de doenças mentais.
"É possível que o consumo
tenha se popularizado nos últimos anos por conta da facilidade de acesso,
apesar do uso de cogumelos ser uma prática ancestral tradicional”, afirma
Renato Filev, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de
Drogas.
“Temos a impressão de que
houve sim um aumento no consumo, assim como muito provavelmente aumentou o
consumo da maconha por conta da inserção do tema no debate público. Mas não
temos dados epidemiológicos”, resume Clarice Madruga, professora da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e estudiosa da área de
epidemiologia e prevenção do uso de substâncias psicoativas.
Para Madruga, o lançamento de
séries documentais em plataformas de streaming sobre os benefícios dos
psicodélicos e o mundo dos cogumelos é um dos fatores que podem estar
impulsionando esse movimento, ainda que não de forma homogênea em toda a
sociedade.
“Essas séries tiveram um
grande repercussão em extratos da sociedade de nível socioeconômico mais
privilegiado e com maior acesso à informação”, diz.
O advogado Emílio Nabas,
membro do Conselho Consultivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas,
presta consultoria para um dos maiores sites de venda de cogumelos no Brasil
atualmente.
Ele também atende clientes com
casos relacionados ao uso da cannabis medicinal e percebeu um aumento
considerável na busca por assistência legal para consumo e comercialização dos
cogumelos. “Hoje eu tenho praticamente o mesmo número de clientes buscando
consultoria jurídica para cogumelos e para cannabis”, diz.
Apesar de não haver dados
sobre o consumo dessas substâncias no Brasil, outros países têm monitorado a
tendência. Nos Estados Unidos, uma pesquisa dos Institutos Nacionais da Saúde
(NIH, da sigla em inglês) identificou um crescimento drástico no consumo de
alucinógenos a partir de 2020.
Em 2021, 8% dos jovens adultos
relataram terem usado alucinógenos no ano anterior, um recorde histórico desde
que esses números passaram a ser monitorados em 1988. Entre as substâncias mais
citadas estão os cogumelos, além da psilocibina pura, LSD, MDMA e outras.
Relaxamento e euforia
A sensação de que os cogumelos
alucinógenos se tornaram mais populares é compartilhada também por quem
frequenta festas nas grandes cidades do país, onde se tornou mais comum ver
pessoas dividindo lascas armazenadas em pequenos sacos plásticos.
Segundo usuários ouvidos pela
reportagem, além da facilidade de adquirir o produto, a promessa de ficar mais
relaxado e alegre sem perder o controle também atrai muitos para o consumo.
Existem distintos tipos de
cogumelo, mas o neurocientista Renato Filev explica que o mais comumente
utilizado no Brasil para fins recreativos ou terapêuticos é o Psilocybe
cubensis.
Seus efeitos são diversos, mas
em geral podem alterar a subjetividade e os sentidos, assim como a percepção de
espaço e tempo, e causar vertigem, relaxamento, euforia e distúrbios visuais.
Isso porque essa espécie de
fungo apresenta como principais princípios ativos a psilocibina e a psilocina.
Embora muitas pesquisas ainda estejam em andamento, estudos sugerem que essas
substâncias afetam principalmente os receptores 5-HT2A no cérebro, que
normalmente são ativados pelo neurotransmissor (mensageiro químico) serotonina.
“Percebo que há uma aceitação
maior dos cogumelos até em detrimento de outros psicodélicos, porque além de
ser natural, é uma substância que o usuário consegue manejar melhor os efeitos
do que o LSD, por exemplo”, diz Filev.
É legal?
Os pesquisadores concordam,
porém, que a facilidade em adquirir os cogumelos está entre os principais
atrativos atuais.
Atualmente, o fungo Psilocybe
Cubensis não está entre as plantas e fungos proibidos pela Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária).
No Brasil, as substâncias
sujeitas a controles especiais são reguladas pela Portaria 344 de 1998 e
divididas em categorias e listas. E apesar dos cogumelos não estarem na lista,
a psilocina e a psilocibina constam na chamada lista F2 de substâncias psicotrópicas,
cujo uso está proibido no Brasil.
Isso significa que, a rigor, a
venda e compra dos cogumelos não é proibida, mas a comercialização direta das
substâncias extraídas dos fungos sim.
Ainda assim, há cada vez mais
registros de prisões por venda de cogumelos. Na semana passada, a Polícia Civil
do Distrito Federal realizou uma operação para fechar um laboratório e prender
o responsável pela venda de cápsulas, extratos, culturas e cogumelos in natura
pela internet. Muitos entusiastas do uso de cogumelos questionaram a legalidade
da operação.
Em nota divulgada, a PCDF
afirmou que prendeu um homem de 29 anos após cinco meses de investigação. Ainda
segundo a instituição, a forma de exposição das drogas nesse caso chamou a
atenção da Polícia pela "ampla comercialização dos cogumelos e derivados e
por trazer perigo à saúde pública ao disseminar desinformação para aliciar
compradores".
Não ficou claro se o envolvido
comercializava apenas cogumelos ou as substâncias psilocina e psilocibina
separadamente.
A professora de Direito Penal
Econômico da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernanda Vilares explicou à BBC
Brasil que as normas atuais podem ser interpretadas de formas diversas devido à
natureza pouco específica das leis.
“Em uma interpretação
extremamente legalista, normativa e dogmática pode-se entender que como a
psilocibina é proibida, o consumo dos cogumelos e sua venda também estão
proibidos”, diz.
“Mas em uma concepção mais
progressista e liberal, que tende a maximizar as liberdades dos indivíduos e
protegê-los sem paternalismo exacerbado, o uso de cogumelo in natura não é
ilgeal, porque não está previsto na lista da Anvisa.”
Segundo Vilares, o caráter
impreciso da legislação atual pode estar relacionado à atualidade do fenômeno.
“A ciência está descobrindo só agora sobre os benefícios dos cogumelos. Pode
ser que venha a se tornar necessário por uma questão de saúde regulamentar seu
uso, mas até então não tinha porque o Estado despender energia nisso”, diz.
O advogado Emílio Nabas afirma
alertar seus clientes sobre essas inconsistências. “Há uma zona nebulosa que
não deixa claro o que pode e o que que não pode dentro de uma atividade
empresarial", diz.
"Não há segurança
jurídica hoje quando falamos dessas substâncias.”
Avanços na ciência
As recentes pesquisas sobre os
benefícios do uso dos cogumelos, em especial para o tratamento de doenças
mentais, também atraíram muita atenção para o tema, segundo as fontes ouvidas
pela reportagem.
As descobertas, que indicam
que tais propriedades podem aplacar sintomas de ansiedade, depressão e estresse
pós-traumático, vêm entusiasmando as comunidades científica e médica.
Também se discute cada vez
mais o uso das substâncias psicodélicas para cuidados paliativos, que amparam
portadores de doenças graves tanto em problemas físicos quanto em questões
existenciais, como a finitude da vida.
Um dos mais promissores
estudos atuais, realizado por pesquisadores da Imperial College London, parece
estar próximo de revelar como os alucinógenos tiram uma pessoa deprimida
"de uma rotina de pensamento negativo" — segundo os envolvidos, a
psilocibina "reintegra" um cérebro deprimido, tornando-o mais fluido,
flexível e conectado.
Outra pesquisa, do Instituto
de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência da Universidade King's College London
(Inglaterra), mostrou que um comprimido de 25mg de psilocibina coloca os
pacientes em um estado de sonho, tornando a terapia psicológica mais provável
de ser bem-sucedida.
Riscos
Os estudiosos ingleses, porém,
alertaram que os efeitos colaterais de curto prazo podem ser assustadores e o
suporte clínico deve estar sempre disponível.
Por esse e outros motivos
especialistas dizem que estudos mais amplos e com um acompanhamento muito mais
longo ainda são necessários antes de uma conclusão definitiva sobre os
benefícios do uso de cogumelos.
“Na farmacologia, primeiro é
preciso compreender as moléculas de uma substância encontrada na natureza para
eventualmente poder sintetizá-las - e nesse caso ainda não passamos desse
estágio”, afirma Clarice Madruga.
“São necessários mais ensaios
prévios e ensaios controlados randomizados para que se possa reproduzir as
moléculas de forma controlada e em dose terapêutica.”
Segundo a psicóloga, o uso
para fins terapêuticos sem acompanhamento pode ser perigoso, pois já se sabe
que parte da população pode apresentar maior vulnerabilidade diante dessas
substâncias.
“Precisamos entender o que é o
uso terapêutico de uma substância. Não pode ser algo subjetivo, como alguém que
de forma autônoma começa a usar cogumelos e julga que lhe faz bem.”
O neurocientista Renato Filev
também alerta para o risco de intoxicação alimentar quando os cogumelos são
coletados diretamente da natureza por pessoas sem conhecimento para o tema.
Além disso, algumas espécies de cogumelos podem ser venenosas.
O psicólogo afirma, porém, que
diferente de outras drogas ilícitas e até do próprio álcool, os cogumelos têm
baixíssimo potencial para a adicção.
“Nenhum psicodélico clássico
tende a levar a um transtorno por uso da substância, pois produzem um quadro de
tolerância após dias consecutivos de consumo que acaba evitando o consumo
compulsivo”, explica.
“E os cogumelos em especial,
pelas próprias características do efeito provocado, que pode ser desafiador
para algumas pessoas, não tende a levar à compulsividade."