Eu queria fazer um texto falando sobre o aprendizado que tivemos com a Covid, mas isso me incomodou e então desisti. Afinal, como uma peste como essa pode nos ter trazido algo de positivo? “Mas ela joga luz em questões importantes que estavam à margem das preocupações sociais”, disse-me a mim mesmo, mas não me convenci: “nada, em absoluto, pode ser tirado de proveitoso dessa tragédia humana e se há questões que a pandemia iluminou e nos faz pensar agora, isso só aumenta o nosso drama, pois não podemos deixar de lado assuntos importantes para lidar com eles apenas depois que a realidade nos dá um solavanco.
Digressões à parte, eu queria mesmo era falar que a vida decorre de múltiplos acordos, sem os quais ela não aconteceria. Assistimos, por exemplo, com dor e lágrimas, ao vírus da Covid e o organismo humano se estranhando brutalmente, de modo que ambos acabavam morrendo. Já agora os vemos procurando se entender minimamente e a esta altura os humanos e o coronavírus são menos nocivos entre si. A ideia de ambos parece ser a de que possam conviver pacificamente, a fim de que cada um deles siga a sua saga (viver o maior tempo possível, como indivíduo e como espécie).
Dito isso, eu encerraria o texto por aqui dizendo que se do ponto de vista biológico a vida existe em razão de acordos, parece claro que a mesma regra deva ser aplicada no âmbito social, ou, pelo menos, o fato indica que a poderosa receita da convivência nos seja proveitosa também em nossas relações sociais.
Não parei aqui, entretanto, porque nesse meio tempo ouvi um trecho de uma palestra do reconhecido cientista brasileiro Antônio Nobre em que ele nos dá uma boa ideia da dimensão dos acordos que celebramos para existirmos. Segundo ele, o corpo humano tem 100 trilhões de células, tendo a sua complexidade uma magnitude semelhante às dimensões do espaço: “o ser humano é uma galáxia ambulante de um sistema celular”, diz ele.
Mais que isso, ele diz que embora essas 100 trilhões de células tenham o mesmo componente genético, cada uma delas vai desempenhar uma ou algumas determinadas funções necessárias ao funcionamento do todo (a célula que forma a nossa pele teria condições de formar o nosso fígado, por exemplo). Em outras palavras, embora cada célula tenha geneticamente potencial para desempenhar todas as funções possíveis dentro do nosso organismo, elas agem apenas de forma limitada, mas em colaboração umas com as outras para, em conjunto, desempenharem todas as tarefas que garantem a nossa existência.
Por fim, Antônio Nobre ressalta que além dos 100 trilhões de células que compõem o nosso organismo, carregamos conosco (“em nosso microbioma”, como eles diz) mais 50 trilhões de bactérias, que são outros seres e convivem conosco em perfeita harmonia e são também responsáveis por estarmos vivos.
Logo e portanto, a mim me parece que maior evidência não há sobre qual caminho a seguir, sendo a colaboração e a convivência importantes chaves para que possamos sobreviver, e para além, para termos uma vida mais potente, mais digna, mais plena.