A violência doméstica é um dos assuntos do momento, devido à repercussão que cresce a cada dia acerca do Caso Henry, havendo inúmeros relatos e denúncias de que o vereador Dr. Jairinho, da Câmara do Rio de Janeiro-RJ, agrediria sua ex-mulher e a atual também. Este é um assunto bastante delicado de se tratar, por haver uma série de implicações, mas que não se pode deixar silenciar. 

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apenas em 2020 foram realizadas 105.821 denúncias de violência doméstica (09 são do próprio Município de Tietê). Estes números representam 30% do total de denúncias realizadas e correspondem a cerca de 12 denúncias por hora. O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo, de acordo estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 

É importante que se diga, ainda, que estes dados representam, por estimativa, apenas 11% do total de casos de violência doméstica, o que denuncia um alarmante quadro social: a cultura do silêncio. Quando se fala neste tipo específico de agressão, seja ela de natureza psicológica, econômica, física, sexual e afins, não se está a tratar de uma questão particular, que compete somente aos parceiros da relação, mas, sim, de ordem pública. É um problema prevalente ao qual todos os segmentes sociais estão sujeitos, porém, não é simples como parece. 

Não há a menor dúvida de que a violência doméstica é decorrente da cultura e tocar nesta problemática é falar, também, de papéis de gênero, ideais de família e de formas de solução de conflitos. Sem que se questione as ferramentas que nos foram postas à disposição e sem a mudança social, não se pode resolver este problema tão profundo. É preciso que rediscutamos tudo o que significa “ser homem” e as noções de masculinidade. 

Nesta cultura de desigualdade de gênero em que vivemos, prevalece a ideia de que a mulher é objeto-extensão do seu parceiro e responsável pela relação, isto é um fator que favorece o silêncio. A violência costuma seguir um ciclo vicioso, começando pelo encantamento (afinal, as relações se iniciam pelo encanto de ambos os parceiros), passando para o isolamento da vítima, afastando-a da sua família e círculo social o quanto possível, partindo-se à violência psicológica que evolui, então, para a física e, após, há a reconciliação, reiniciando-se tudo uma vez mais. 

Esta forma de violência, para Rodrigo Iennaco, autor da obra Crimes Culturalmente Motivados e a Violência Sexual Contra a Mulher, representa um grande paradoxo. Ao seu ver, e neste ponto concordo, ela representa a demonstração de uma fraqueza do agressor expressa por meio da força bruta, que serve como instrumento de domínio e submissão, a fim de reestabelecer à vítima “seu” papel secundário e subserviente, como verdadeira forma de exercício de poder. 

Eu mencionei a cultura do silêncio, mas onde ela se encaixa? Exatamente neste ponto, após a perpetuação do ciclo apresentado. A mulher sofre a pressão de uma cultura que busca a todo modo justificar e tolerar esta prática, ou seja, ela deixa de ser vítima apenas do seu parceiro e se torna vítima, também, da violência cultural.

Há uma dupla vitimização e o silêncio se torna, neste cenário, uma estratégia de autodefesa, para que ela não precise suportar além dos abusos a objeção e censura sociais. 

O machismo, falocentrismo e patriarquismo que se assentaram na cultura brasileira fortemente exprimem uma valoração positiva da agressividade como símbolo de virilidade, o que é endossado por um código social masculino que aprova esta simbolização, com projeção aceita da agressividade antropológica e ancestral, isto é, validada pela cultura dos nossos antepassados, herdada por nós. Isto tudo faz com que a violência acabe se tornando tolerável socialmente e até mesmo desejada em certos níveis no universo masculino, o que nos remete, uma vez mais, à questão da desigualdade dos papéis de gênero. 

Não há a menor dúvida da necessidade que existe de rompermos a banalização da violência e todos os seus discursos de validação. Romper o próprio processo de dominação pela violência, como única forma de verdadeira emancipação da mulher. E para a implementação de circunstâncias emancipatórias devemos garantir às meninas amplo acesso à instrução formal, ampliar gradativamente suas oportunidades dentro da educação familiar, comunitária e de modo geral. Ainda, estimular as mulheres à reagirem coletivamente para que reocupem o seu próprio espaço de voz e poder. Esta é parte do processo de libertação do domínio e rompimento do ciclo de gerações tão violento. 

Para denunciar violência doméstica, você pode discar 100, ligar para o 180, enviar uma mensagem pelo WhatsApp para o número (61) 99656-5008 ou pelo canal “Direitoshumanosbrasilbot” no Telegram, acessar o site da ouvidoria do Ministério ou, ainda, baixar o aplicativo “Direitos Humanos Brasil”. 

Vamos romper o silêncio.