Sensação do Estadual mais antigo do Brasil
encara Palmeiras na decisão
“O sonho da gente é muito
grande. Até de sermos campeões paulistas”. Em outubro de 2015, o comerciante
Licanor Vieira, proprietário de um bar na Rua dos Manacás, em Diadema (SP), deu
esta declaração à TV Brasil em uma reportagem sobre o Esporte Clube Água Santa.
A equipe fundada em 1981 por migrantes nortistas, nordestinos e mineiros, para
competir no futebol de várzea da cidade e que disputou seu primeiro torneio
profissional somente em 2013, tinha acabado de garantir um lugar na elite do
Campeonato Paulista após subir, de forma consecutiva (e inédita), as três
divisões de acesso do Estadual mais antigo do país.
Corta para abril de 2023.
Neste domingo (2), às 16h (horário de Brasília), o mesmo Água Santa começa a
decidir o título do Paulistão contra o Palmeiras na Arena Barueri. O primeiro
jogo da final será transmitido ao vivo pela Rádio Nacional, com narração de
André Marques, comentários de Mario Silva, reportagens de Rodrigo Ricardo e
plantão esportivo de Rodrigo Campos.
Aquele otimismo de Licanor
tinha explicação. Na várzea de Diadema e da região do ABCD Paulista, o Netuno
(como o time é conhecido) acostumou a levantar troféus, principalmente a partir
dos anos 2000. Muitos enfeitavam as paredes do bar do comerciante, que foi a
primeira sede do clube. O estabelecimento não funciona mais hoje, mas traz
recordações a quem viu, de perto, a história ser construída.
“Era muito bom. O pessoal vinha,
fazia festa, brincava, tinha churrasco à vontade”, conta o aposentado Givaldo
Bezerra dos Santos, que mora na região há 50 anos, em frente à antiga sede do
Água Santa.
“Aqui na rua, tinha o bar do
meu pai e nós jogávamos em um campinho. Quando montou o time, até mesmo nós
passamos a nos encontrar na sede. A maioria [de nós] era da própria rua”,
afirma Marco Antônio Valentim, comerciante e ex-jogador do Água Santa nos anos
de várzea.
“Era muito difícil [na
várzea]. A bola era dura e tinha muito barro. Você chutava e vinha tudo na cara
[risos]. Hoje tem gramado, está bom para jogar. Mas não perdíamos. Jogávamos
para cima”, completa Valter Luiz Botelho, que defendeu o Netuno nos anos 1980 e
1990, também antes do profissionalismo.
Orgulho
Atualmente, o Água Santa manda
os jogos no Estádio José Batista Pereira Fernandes, conhecido como Arena
Inamar, em alusão ao bairro no qual está situado na cidade, o Jardim Inamar.
Como o local não tem refletores e a capacidade é de apenas 10 mil lugares,
menos que o exigido pela Federação Paulista de Futebol (FPF) para as fases
finais do Estadual, o Netuno não pôde atuar lá na semifinal contra o Red Bull
Bragantino, nem teve como sediar a partida de ida da final. Não à toa, a
diretoria do clube quer aproveitar o resto do ano para reformas estruturais no
campo, pensando em 2024, quando também terá pela frente, de maneira inédita, a
Copa do Brasil e a Série D do Campeonato Brasileiro.
Distância, porém, não foi
problema à torcida, que já acompanhava a equipe pelos campeonatos amadores
região afora. Mais de 40 ônibus, lotados, desceram a Serra do Mar em direção a
Santos (SP), onde o time encarou o Bragantino. O público de 11.507 pessoas na
Vila Belmiro foi superior à média do próprio Santos durante o Paulistão, além
de ser o maior registrado pelo próprio Água Santa como anfitrião em uma partida
oficial.
O escudo do Netuno aparece
estampado nos carros que circulam por Diadema. A procura por camisas do time,
que tem a cruz da Ordem de Cristo ao centro, cresce à medida que o sucesso nos
gramados aumenta, para alegria de quem depende do comércio local. Orgulho de
uma cidade que, no passado, foi considerada uma das mais violentas do Brasil
(números do Datasus, de 1997) e que possui, atualmente, a segunda maior
densidade demográfica do país, com quase 430 mil habitantes em um território de
pouco mais de 30 quilômetros quadrados, conforme o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
“Diadema precisa ser mais
conhecida pelo povo de fora. O Água Santa vai trazer essa curiosidade. É bom
para nós que estamos aqui, desenvolvendo a cidade e a região”, afirma o
ambulante Matheus Lima dos Santos.
“Depois que [o Água Santa]
chegou à final, a população ficou bem ativa, empolgada. [Se for campeão] pode
trazer [mais estoque de camisas], que é venda certa [risos]”, completa Adriano
da Nóbrega Fernandes, também comerciante.
Otimismo
A última barreira no caminho
do Água Santa é, simplesmente, o atual campeão brasileiro e estadual. Enquanto
o Netuno disputa somente a quarta temporada na elite, o Palmeiras é o segundo
maior vencedor do Paulistão, com 24 taças. As equipes se enfrentaram apenas
quatro vezes, com três triunfos alviverdes e uma do Netuno - curiosamente, a
mais marcante do confronto, uma goleada por 4 a 1 em 2016, em Presidente
Prudente (SP).
A conquista inédita, se vier,
faria do clube de Diadema o primeiro a ser campeão paulista sem estar em uma
das quatro divisões do Brasileirão (Séries A, B, C ou D) na ocasião do título.
Além disso, desde 2014, quando o Ituano levou o troféu, uma equipe fora das
quatro principais do estado (Corinthians, Santos, São Paulo e Palmeiras) não
vence o campeonato.
“Garanto que a gente empata o
primeiro [jogo] e ganha o segundo [no próximo domingo, dia 9, às 16h, no
Allianz Parque, em São Paulo]. Se for campeão, tem que parar Diadema. Quando
foi campeão metropolitano [no futebol amador] parou, imagina agora?”, projeta
Valentim.
“Estarei lá [em Barueri] no
domingo, com a torcida, prestigiando o Água Santa. A cidade está contente.
Vamos ser campeões”, acredita Valter.