Uma
capivara, um influenciador e uma ativista da causa animal.
Esses três personagens
protagonizaram uma polêmica recente com tamanha repercussão nacional que
envolveu o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis) e até uma deputada estadual, dividindo opiniões dentro e fora das
redes sociais.
Entenda a seguir a história
da capivara Filó e do influenciador Agenor Tupinambá e por que a ativista da
causa animal Luisa Mell acabou envolvida, assim como o Ibama e a deputada
estadual Joana Darc (União Brasil-AM).
Quem
é Agenor Tupinambá?
O personagem central é o
influenciador Agenor Tupinambá, de 23 anos e estudante de Engenharia Agronômica
na UFAM (Universidade Federal do Amazonas).
Ele usava seus perfis nas
redes sociais, como Instagram e TikTok, no qual tem milhões de seguidores, para
mostrar, entre outras coisas, a rotina de uma capivara que mantinha como animal
doméstico e à qual deu o nome de Filó.
Agenor e Filó faziam sucesso
juntos, contribuindo para criar junto ao público uma visão romantizada da
relação entre eles.
No conteúdo de maior
alcance, agora retirado do ar, por exemplo, Agenor e o roedor compartilhavam
momentos como uma soneca lado a lado a um mergulho em um rio próximo à
propriedade rural de sua família, em Autazes, no Amazonas, a mais de quatro
horas de barco de Manaus.
Para se ter uma ideia, o
vídeo mencionado acima tinha, até meados de fevereiro, 83 milhões de
visualizações, 12 milhões de curtidas e 161 mil comentários apenas no TikTok,
plataforma na qual Agenor tem agora 1,8 milhão de seguidores. No Instagram, são
outros 2,1 milhões.
Em entrevista ao portal
Gshow, Agenor disse que um de seus objetivos era mostrar que a "Amazônia
não é só mata".
"Já me perdi no meio da
mata com meu irmão e foram horas para tentar sair. (Tive) encontros inusitados
com cobras e jacarés. Eu me afoguei no rio muitas vezes. Apesar dos meus
búfalos serem carinhosos, eles também ficam estressados às vezes".
Denúncia
e apreensão
Em 18 de abril, Agenor tinha
sido notificado pelo Ibama após denúncias de abuso, maus-tratos e exploração
animal. Por causa disso, ele foi multado em R$ 17 mil. Também foi obrigado a
apagar todos os vídeos que havia publicado com Filó.
Naquele dia, a deputada
estadual Joana Darc (União Brasil), a mais votada do Amazonas e que se
apresenta como protetora de animais, saiu em defesa de Agenor.
Em um vídeo publicado em seu
Instagram, ela fala de uma possível apreensão pelo Ibama e argumenta que Agenor
"está sendo perseguido como se fosse um criminoso, sendo que todo mundo
sabe que aqui no Amazonas os animais convivem com as pessoas, principalmente no
interior".
"A capivara Filó vive
livre no habitat dela, que é o mesmo 'habitat' do Agenor".
"Não vou deixar isso
acontecer, já estamos no caso e precisamos do apoio de todos vocês!!!!!"
Em uma série de postagens
subsequentes, inclusive com Agenor a seu lado, ela o defende e reforça o que
considera ser uma "punição injusta" contra o estudante de agronomia.
Também diz que sua equipe
jurídica estava atuando para "anular as multas, e não receber essas
punições de remover as imagens com a Filó das redes sociais e, o principal, é
que os animais fiquem no seu habitat".
Foi então que na
quarta-feira (26/4), Luísa Mell, conhecida ativista da causa animal e
ex-apresentadora de TV, usou suas redes sociais para acusar Agenor de
maus-tratos contra um porco, ao postar um vídeo do ano passado em que o
estudante aparece em um rodeio.
O influenciador respondeu
com uma nota de esclarecimento sobre o vídeo e disse: "Não sou mais essa
pessoa".
"Ano passado fui
convidado para participar do 'Autazes Fest', evento tradicional da minha
cidade. E eu fui. Um certo momento, fui chamado para ficar no meio da arena
enquanto um porco foi solto para que crianças corressem atrás dele.
Infelizmente, é uma situação tradicional em rodeios e que faz parte da
realidade onde cresci. Hoje a minha visão é outra".
Repercussão
nacional
Na última quinta-feira
(27/4), Agenor entregou Filó ao Ibama.
A capivara foi entregue ao
Ceta (Centro de Triagem de Animais Silvestres), vinculado ao órgão de
fiscalização ambiental, onde seria mantida até que pudesse ser reintegrada à
natureza.
Agenor fez um post de
despedida no Instagram, no qual disse que nunca havia sido contra a
reintegração do animal e que não ganhou dinheiro com as postagens com Filó.
"É importante registrar
que eu nunca fui contra e jamais impediria que a minha amada Filomena um dia se
integrasse com um bando de capivaras para seguir sua vida. Foi justamente para
isso que eu a salvei, cuidei e guardei um sentimento enorme no meu peito por
ela", escreveu ele.
"Eu também sei que aconteceram
equívocos, e garanto que os erros que cometi foram inconscientes, sem má índole
e nem qualquer tentativa de exploração. Absolutamente nenhum vídeo com ela me
trouxe qualquer resultado financeiro. Era apenas eu com um celular na mão,
registrando a minha própria vida ribeirinha", completou.
Agenor também fez uma
vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para pagar as multas.
"Como todos vocês
sabem, fui notificado e multado com infrações ambientais onde sou acusado de
maus-tratos, abuso e exploração de animais silvestres. Uma situação que muito
me entristeceu e também custou o meu convívio com a Filó, a capivara mais amada
do mundo!", disse ele, em outro post no Instagram.
Por seu lado, o Ibama disse
que "além de ser crime manter animais silvestres irregularmente", a
exposição como pets em redes sociais "estimula a procura por esses
animais, aquecendo o tráfico de espécies da fauna brasileira".
"Por mais que se
acredite estar ajudando um animal silvestre, dando comida e abrigo, é
importante entender que essa atitude pode prejudicá-lo, pois reduz sua
capacidade de sobrevivência na natureza. Animais silvestres também podem transmitir
doenças graves para os humanos", acrescentou o órgão.
Fake
news e polarização política
Após a apreensão do animal,
o caso ganhou repercussão ainda maior nas redes sociais, alimentado por fake
news e pela polarização política.
Contribuiu para a divisão
uma transmissão ao vivo feita por Darc no sábado (29/4) em que a deputada
invade o Ceta em Manaus, grita, chora e acusa o Ibama de "ter
enganado" Agenor. Darc aludia à promessa do órgão de cuidar da capivara.
No vídeo, a deputada mostra
a estrutura do Ceta e diz: "Me digam se onde a Filó tava não era melhor do
que essa gaiola. Olha essa gaiola, imunda. Tá aqui a Filó onde ela fica. Chama
a Polícia Federal para me prender aqui, então. Tudo sujo. Nem limparam".
Darc também mostra nas
imagens o que seriam vacinas vencidas.
No Twitter, o Ibama reagiu,
destacando novamente os crimes pelos quais Agenor foi autuado e acusando Darc
de divulgar informações falsas.
"A deputada Joana Darc
foi ao local, observou o animal e divulgou informação falsa de que haveria
vacinas vencidas. O protocolo clínico veterinário determina que não se imuniza
animais silvestres", informou o órgão.
"O objetivo do Ibama
após avaliação técnica é devolver a capivara à natureza garantindo o seu
bem-estar e o cumprimento da lei."
"Desde janeiro deste
ano, os Cetas do Ibama já devolveram à natureza, após reabilitação, 5,6 mil
animais no país. O trabalho desses centros é fundamental para a proteção da
fauna brasileira e manutenção do equilíbrio ambiental", completou o Ibama.
Mell passou a ser apontada
como a principal responsável por ter feito a denúncia ao Ibama. Mas ela negou a
acusação logo depois do vídeo de Darc viralizar.
Em entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que "a
rede bolsonarista está usando essa situação para atacar a gente".
Em sua opinião, seria uma
resposta às operações de combate à madeira e gado ilegal no Amazonas.
"Estão atacando o Ibama
porque temos muitas ações no Amazonas, de embargo de áreas desmatadas,
apreensões de gado em terra indígena, em unidade de conservação. Esse caso
acabou servindo para tentarem desqualificar o trabalho", disse ele ao jornal.
Guarda
provisória
E, então, no domingo (30/4),
um juiz determinou que Filó fosse devolvida a Agenor, dando-lhe a guarda
provisória do animal.
Em sua decisão, o magistrado
Márcio André Lopes Cavalcante, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região,
disse que o animal "vive em perfeita e respeitosa simbiose com a
floresta".
"Não há muros ou
cercas que separam o casebre de madeira do autor em relação aos limites da
floresta. […] Não há animais de estimação no quintal da casa do autor
porque o seu quintal é a própria Floresta Amazônica", diz um trecho da
decisão (leia na íntegra).
"Percebe-se, portanto,
que não é a Filó que mora na casa de Agenor. É o autor que vive na
floresta, como ocorre com outros milhares de ribeirinhos da Amazônia,
realidade muito difícil de ser imaginada por moradores de outras localidades
urbanas do Brasil", acrescentou o juiz.
Posicionando-se após a
decisão judicial, o Ibama afirmou que "decisão judicial proferida neste
domingo determina que o infrator Agenor Tupinambá permaneça como fiel
depositário da capivara entregue por ele ao Ibama na última quinta-feira
(27/04) até a soltura do animal."
"A devolução da
capivara à natureza tem sido o objetivo do Ibama desde o início do caso, por
ser a melhor alternativa para o bem-estar do animal."
"A ordem judicial será
cumprida. A soltura deverá ocorrer em unidade de conservação previamente
selecionada, que abriga outros indivíduos da espécie."
No comunicado, o órgão
também repudiou o que chamou de "a intimidação praticada contra seus
servidores neste sábado (29/04), em uma clara tentativa de deslegitimar a
atuação do Instituto no cumprimento da legislação ambiental", aludindo à
ação de Darc.
'Analfabetismo
ambiental'
Para Roched Seba, diretor do
Vida Livre, uma ONG que atua na reabilitação e soltura de animais em situação
de risco no Rio de Janeiro, o episódio envolvendo Filó demonstra o que chama de
"analfabetismo ambiental" dos brasileiros, a falta de conhecimento
sobre os animais.
"Não importa que a
capivara seja um animal abundante e que não esteja ameaçada de extinção.
Permitir que Filó seja mantida em cativeiro incentiva a propriedade de outros
animais silvestres — e o tráfico de fauna", assinala.
Ele ressalta que as
capivaras são roedores e costumam andar em bando de 60 a 70 indivíduos, e que,
no caso específico de Filó, se trata de uma fêmea e filhote.
E acrescenta que mesmo que
vivam em ambientes urbanos, como grandes cidades, e terem convivência pacífica
com humanos, isso não quer dizer que possam ser domesticadas.
"Diferentemente de
felinos, por exemplo, que aprendem a caçar com a mãe, a reabilitação de uma
capivara filhote, como Filó, é muito mais simples. Capivaras são roedores
herbívoros, sem demanda de caça, e têm excelente capacidade de adaptação",
diz Seba.
"A briga das pessoas
deveria ser para melhorar o Ibama. Amar um bicho significa amá-lo livre",
conclui.