Sociedades médicas brasileiras esperam que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decida ainda este ano manter proibida a importação e venda de cigarros eletrônicos no Brasil. Em 2009, a agência publicou resolução proibindo os chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), que agora passam por processo de discussão e atualização de informações técnicas.
A Anvisa está na fase da
Tomada Pública de Subsídios, aberta a receber informações técnicas a respeito
dos cigarros eletrônicos. “Esperamos que até o fim do ano tenhamos essa
decisão. Mas o nosso papel agora é entregar à Anvisa todas as
evidências científicas comprovando os malefícios do cigarro eletrônico”, disse
Ricardo Meirelles, da Associação Médica Brasileira (AMB).
A AMB, o Conselho Federal de
Medicina (CFM) e entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia (SBPT), têm se unido em torno da proibição do comércio
dos cigarros eletrônicos. Essas entidades alertaram a Anvisa sobre os prejuízos
desse aparelho e têm lutado contra a informação falsa dos fabricantes, que
afirmam que o cigarro eletrônico é alternativa mais saudável ao cigarro
convencional.
“Vários estudos comprovam
que os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) causam danos à saúde. Eles
podem causar irritação brônquica, inflamação em quem tem
doença pulmonar obstrutiva crônica (Dpoc). Essas pessoas não podem
usar o cigarro eletrônico de maneira nenhuma”, afirmou Meirelles.
Aristóteles Alencar, da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, explicou
que esses aparelhos produzem partículas ultrafinas. Essas
partículas conseguem ultrapassar a barreira dos alvéolos do pulmão e caem na
corrente sanguínea, provocando inflamação. “Quando essa inflamação ocorre no
endotélio, que é a camada que reveste internamente o vaso, pode dar início a
eventos cardiovasculares agudos, como o infarto e a síndrome coronariana aguda,
a angina do peito”.
Esse tipo de cigarro,
chamado de vapers pelos fabricantes, na intenção de desassociar à
figura do cigarro, contém uma série de substâncias nocivas e cancerígenas. Eles
trazem, em sua composição, substâncias como nicotina, propilenoglicol e
glicerol, ambos irritantes crônicos; acetona, etilenoglicol, formaldeído, entre
outros produtos cancerígenas e metais pesados (níquel, chumbo,
cádmio, ferro, sódio e alumínio). Para atrair consumidores, são
incluídos aditivos e aromatizantes como tabaco, mentol, chocolate, café e
álcool.
“O efeito protetor que se
atribuía ao cigarro eletrônico não existe. Em países que liberaram esses
produtos há crescente aumento de doenças cardiovasculares na população
abaixo de 50 anos”, disse Alencar. “Diferente do cigarro
convencional, que demora às vezes 20 ou 30 anos para manifestar doença no
usuário, o cigarro eletrônico tem mostrado essa agressividade em menos
tempo”, completou.
Outra substância perigosa
encontrada em muitos desses cigarros é o tetrahidrocarbinol, ou THC. “É a
substância que leva à dependência do usuário da maconha”, explicou Meirelles.
Segundo ele, os DEFs também podem conter óleo de haxixe e outras drogas
ilícitas.
Jovens e propaganda
Adolescentes são alvos das
fabricantes de cigarros eletrônicos. O design dos aparelhos e as
essências oferecidas são pistas de que, apesar de indicarem o produto apenas a
adultos, buscam chamar a atenção de jovens. A adoção de sabores mais infantis,
a aplicação de cores na fumaça e até mesmo o design de alguns modelos
não são atraentes ao público adulto.
“A estratégia do sabor, por
exemplo. Por mais que digam que não é um produto para criança, eu não conheço
um adulto que use o sabor algodão-doce. Ele é bem caracterizado com essa ideia
da juventude”, afirmou Sabrina Presman, da Associação Brasileira de
Estudo de Álcool e Outras Drogas (Abead).
Ela também cita a semelhança
do aparelho com itens de uso diário de um estudante, como canetas ou pen
drives. “O próprio formato do cigarro eletrônico se confunde com as coisas
do jovem. Ele é mais moderno e muitos pais não conseguem identificar o que é
caneta, o que é lápis e o que é cigarro”.
Paulo César Corrêa,
coordenador da comissão de tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia (SBPT), destacou que esses produtos são apresentados com slogans que
tratam o cigarro convencional como ultrapassado e nocivo. A ideia é afastar essa
má publicidade dos cigarros eletrônicos. Segundo ele, existem evidências de que
há três vezes mais chances de pessoas que nunca fumaram passarem a fumar
regularmente cigarros convencionais depois de usarem esses aparelhos.
Corrêa também alertou sobre
a estratégia da indústria de cigarros eletrônicos em vender uma informação de
que esse tipo de produto é menos nocivo que o cigarro convencional e que,
portanto, trocar para os cigarros eletrônicos seria uma alternativa mais
saudável. Ele, no entanto, alerta: cigarros eletrônicos não são apenas feitos
de vapor e água.
“Ainda que não tenhamos a
descrição completa dos riscos epidemiológicos, as evidências já existentes
permitem dizer que o produto é extremamente perigoso e danoso à saúde
individual e à saúde pública”.
Cigarro eletrônico
Os cigarros eletrônicos
são aparelhos alimentados por bateria de lítio e um cartucho ou refil, que
armazena o líquido. Esse aparelho tem um atomizador, que aquece e vaporiza a
nicotina. O aparelho traz ainda um sensor, que é acionado no momento da
tragada e ativa a bateria e a luz de led. Mas nem todos os cigarros
eletrônicos vêm com luz de led.
A temperatura de vaporização
da resistência é de 350°C. Nos cigarros convencionais, essa temperatura
chega a 850°C. Ao serem aquecidos, os DEFs liberam um vapor líquido parecido
com o cigarro convencional.
Os cigarros eletrônicos
estão em sua quarta geração, onde é encontrada concentração maior de
substâncias tóxicas. Existem ainda os cigarros de tabaco
aquecido. São dispositivos eletrônicos para aquecer um bastão ou uma
cápsula de tabaco comprimido a uma temperatura de 330°C. Dessa forma,
produzem um aerossol inalável.
“Esses aparelhos expõem o
usuário a emissões tóxicas, muitas das quais causam câncer”, explicou Cláudio
Maierovitch, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Outro tipo de DEF se parece
com um pen drive. São os sais de nicotina (nicotina + ácido benzóico).
Esse tipo de cigarro provoca menos irritação no usuário, facilitando a inalação
de nicotina. E, assim, provoca maior dependência. Os usuários desse aparelho
têm pouca resposta ao tratamento convencional da dependência da
nicotina. “Usar um dispositivo desse com 3% a 5% de nicotina equivale a
fumar de dez a 15 cigarros por dia. Dispositivos com 7% de nicotina equivalem
a mais de 20 cigarros por dia, cerca de um maço de cigarros”, disse Meirelles.