Somos uma sociedade dividida em “tribos”, como sabemos. Eu sempre fui da tribo dos Caturras, composta por pessoas que possuem uma opinião muito forte e conservadora sobre as coisas e pouco afeitas às mudanças e às opiniões alheias. Os Caturras ainda são muito firmes no apoio dos seus, costumam andar acompanhados e formam uma verdadeira confraria.

E me sentia muito confortável nessa tribo: para mim era mesmo natural viver no mundo dessa forma, apoiando e sendo apoiado pelas pessoas do meu convívio e dividindo com elas a mesma opinião. Fora desse universo tudo era esquisito, inseguro e complicado.

As coisas foram caminhando assim até que fui dar ouvidos ao povo de uma tribo que eu apenas sabia que existia por alto e para a qual eu nunca havia dado a mínima pelota. Eles eram os Bizarros.  Diziam coisas impensáveis sobre as pessoas, a vida e os costumes. Chegaram ao desplante de condenar o meu vasto repertório de piadas - que eu cultivava com muito zelo e determinação, pois ele me ajudava a saciar a minha indômita vaidade. Piadas com negros, índios, deficientes, gays, louras, anões e bêbados (ou seja, o meu repertório completo), de uma hora para outra passaram a ser condenadas. “Que absurdo”, bradei inconformado e obtive apoio incondicional dos Caturras, como de costume: “o mundo não deve ser levado tão à sério”, entoamos juntos e nos pusemos a combater essa turma chata, para a qual o mundo deveria ser muito cinza e sem graça.
 
Mas essa minha resistência foi aos poucos perdendo fôlego, até que os Bizarros me deram um golpe fatal: fizeram a cabeça das minhas filhas! Sorrateiros, aproveitaram que elas estavam amadurecendo e, mais que tudo, o fato de elas serem mulheres – e nesse ponto foram muito habilidosos, dizendo-lhes que deveriam resistir, pois, como mulheres, eram vítimas do machismo, do sexismo, da misoginia, ganhavam menos do que os homens para fazer o mesmo serviço e coisas do gênero (literalmente).
 
Foi o que bastou! A partir disso, as minhas filhas passaram a me criticar constantemente pelo meu comportamento e a me desafiar com ótimos argumentos. Fiquei pasmo quando me disseram que menoscabar as minorias era, na verdade, uma manifestação de nosso preconceito de classe e de raça, ou seja, era racismo mesmo, e que o racismo existia muito fortemente por aqui, embora isso sempre fosse negado. Disseram-me que o nosso preconceito não nos é inteiramente consciente, que todos nós os temos e que os adquirimos já na infância ao observar o comportamento dos adultos, especialmente o dos nossos pais, e ver como eles tratam e se referem à determinadas pessoas. Disseram-me ainda que a questão não gira em torno de “sermos ou não preconceituosos” (já que todos o somos), mas de como devemos lidar com os nossos preconceitos, cabendo-nos reconhecer que os temos, em primeiro lugar, e, depois, reconhecer que os preconceitos são uma bárbara injustiça.
 
Disseram-me também, para o meu espanto, que essa espécie de ódio com que nos dirigimos e julgamos determinadas pessoas são, no fundo, uma forma de nos autovalorizarmos, de nos colocarmos como seres superiores, adotando uma estratégia fajuta e vergonhosa de rebaixar gratuitamente os outros.
 
Bom, o fato é que eu me convenci e hoje vivemos todos na mesma tribo, minhas filhas, minha mulher e eu. Somos Bizarros: acreditamos no respeito, na solidariedade e entendemos que o ser humano tem de ser reconhecido como o nosso mais precioso bem, independentemente de sua origem, credo, raça ou gênero. 
 
Mas o que que a gente não é capaz de fazer pelos nossos filhos, não é mesmo? E, a bem da verdade, o que os nossos filhos não fazem pela gente?