Relatório teve participação de
cientistas e pesquisadores de 66 países
O relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações
Unidas (ONU) traz um dos mais fortes trabalhos já produzidos pelo organismo,
sobretudo por associar a influência humana aos eventos climáticos extremos,
que, caracterizados com muita propriedade em alguns casos, não existiriam sem a
participação humana, como é o caso das ondas de calor, das fortes chuvas e das
secas. A avaliação é da professora titular aposentada do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) Thelma Krug, atual.vice-presidente do IPCC e
ex-diretora do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do
Ministério do Meio Ambiente.
O estudo foi divulgado nesta
segunda-feira (9) e vai ser complementado em 2022.
Segundo Thelma, é indiscutível
a influência humana no sistema climático como um todo, e o relatório da ONU
traz com muito mais robustez processos mais refinados, dados cada vez melhores,
a resposta climática às emissões. “Isso fica muito bem caracterizado. É uma
mensagem científica muito clara, e tenho certeza de que essas mensagens, que
foram todas aprovadas por consenso na reunião do IPCC na semana passada, terão
reflexo no IPCC como um todo, e esperamos que reverberem no mundo político”,
disse Thelma, ao participar nesta terça-feira (10) do webinário O Brasil e as
Mudanças Climáticas: o novo relatório do IPCC, organizado pela Academia
Brasileira de Ciência (ABC) e que teve transmissão pelo YouTube.
No encontro, foram
apresentadas as principais conclusões do Grupo de Trabalho I do Sexto Relatório
de Avaliação do IPCC sobre as bases físicas das mudanças do clima. Também
participaram do evento o professor de física da Universidade de São Paulo (USP)
Paulo Artuxo; o pesquisador sênior do Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
José Marengo e o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que trabalharam no ciclo do
IPCC que resultou no relatório, que dará a direção científica da Conferência
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), em novembro, em Glasgow,
na Escócia.
Segundo Thelma, o painel teve
participação de 234 autores de 66 países e apoio de 36 editores de revisão.
Eles asseguram que todos os comentários entregues pelos governos e minutas de
relatórios sejam avaliados um a um para evitar que não haja nenhuma tendência
nas respostas. Também foi feita uma consulta a 14 mil artigos científicos.
Segundo a professora, o IPCC não elabora pesquisas, mas avalia publicações
relevantes sobre o tema em todo o mundo. Antes de ser divulgada a última
versão, é feita uma revisão em duas minutas do texto.
A pesquisadora destacou o
interesse dos governos em que os cientistas entendam as necessidades de cada um
para facilitar a tomada de decisões, especialmente no fórum mais político,que
seria a Convenção Quadro das Nações sobre a Mudança do Clima. “Os relatórios do
IPCC têm tido papel importante na ponte entre a ciência e a política, desde o
relatório 1, que ajudou no estabelecimento da Convenção do Clima em 1992 na Rio
92.”
O Brasil é um dos 195
países-membros do IPCC, cuja estrutura é dividida em três grupos de trabalho. O
Grupo 1,que elaborou o relatório divulgado ontem (9), tem foco na base da
ciência física do clima; o Grupo 2, que trata dos impactos, adaptações e
vulnerabilidade, apresentará um relatório em fevereiro de 2022; e o Grupo 3,
que avalia a mitigação das mudanças do clima, deve divulgar seu e trabalho em
março de 2022.
“Enquanto o Grupo 2 tem a
relevância de mostrar muitos impactos não só globais, mas também
regionalizados, o 3 foca mais no que se pode fazer para limitar o aquecimento”,
afirmou Thelma, ao ressaltar que o IPCC tem uma força-tarefa que cuida da
elaboração dos manuais metodológicos para os inventários nacionais de gases de
efeito estufa usados por todos os países integrantes.
Linguagem incisiva
O professor Paulo Artaxo
destacou a linguagem mais incisiva deste relatório em relação aos trabalhos
anteriores e lembrou que mudanças recentes ocorridas no clima são generalizadas
e rápidas. “Nosso papel de mudança no clima é absolutamente inequívoco e sem precedentes
nos últimos 6.500 anos. O relatório também coloca recados para os tomadores de
decisão. O IPCC não faz política, não é responsável pela redução de emissões,
mas manda mensagens científicas, e a mensagem é que, a menos que haja reduções
imediatas rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa,
limitar o aquecimento em 1,5 grau pode ser impossível.”
Artaxo destacou que essa é a
voz da ciência, que coloca em uma situação quase emergencial a necessidade de
redução das emissões.
Ele acrescentou que, conforme
cenários analisados, a Amazônia pode se tornar fonte de carbono para a
atmosfera global, se houver uma redução muito significativa da absorção de
carbono da Floresta Amazônica causada pelo aumento da temperatura e redução das
precipitações.
Aquecimento
De acordo com o pesquisador
José Marengo, o aquecimento global não pode ser explicado somente por fatores
naturais, o que ficou mais evidente desde 1980.
Isso ocorre também com os
eventos extremos de chuva. “Assim como a temperatura, os extremos mostram que o
efeito humano é nítido, claro, e é responsável por explicar melhor as
tendências observadas particularmente nos últimos 20 anos.”
Lincoln Alves, do Inpe, que
analisou características regionais no Atlas interativo do IPCC, apontou o
aumento significativo de eventos extremos, seja de secas, seja de
precipitações.
“As projeções indicam que cada
0,5 grau adicional de aquecimento causa de fato aumentos claros e perceptíveis
na intensidade dos eventos de precipitação, bem como nas secas que temos
observado em várias regiões do país”, acrescentou.