Quando eu fui prestar o exame para obter a minha OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e poder atuar como advogado (pois só assim se pode advogar), recebi uma sentença penal condenatória extraída de algum processo real para, a partir da decisão, fazer uma defesa oral no outro dia, a uma banca presidida por uma advogada bem sênior e famosa pelo seu excessivo rigor na avaliação dos candidatos – era difícil passar em exame presidido por ela. Naquele tempo o exame da Ordem dos Advogados do Brasil era feito na própria faculdade, diferentemente do que ocorre atualmente, em que o exame é estadual e feito como se fosse um vestibular.

Nunca me esqueci o nome da doutora que me apavorou naquela parte da minha vida, e só não o repito aqui pelo mesmo pavor.

Fui me aconselhar de véspera com um amigo mais velho, formado em direito pela São Francisco e naquela altura já promotor de justiça, ou seja, um mestre do direito - não mencionarei o nome do amigo também porque não pedi a autorização dele.

O amigo me recebeu com muita gentileza e entusiasmo, disse que eu não me preocupasse e me convidou para tomarmos cerveja: “antes de falarmos sobre a sua prova, vamos beber um pouco”, orientou-me ele  - para o meu desespero, pois, embora eu achasse que não seria conveniente beber antes de estudar, não restava alternativa a não ser ceder às ordens do mestre.

Depois da terceira garrafa ele decidiu, finalmente, ler a sentença e me dar algumas dicas, que fui anotando.

Tudo já se passava num ambiente mais leve e descontraído, debaixo daquela especial atmosfera de quando já se encontra aberta a quarta garrafa, quando ele me indagou: “quem será o presidente da banca?”, ao que respondi que seria aquela temível doutora. Então ele me disse, sorrindo:  “Ora, ora! Não se preocupe nem mais um minuto! Conheço ela, trata-se de uma amiga querida. Você já passou!”.  “Como assim”, perguntei. “Vou ligar pra ela e falar de você. Vá pra casa e relaxe!” Eram 11 da noite e no outro dia eu levantaria às 5 da manhã para ir à Itu prestar a prova, que começava às sete e meia.

No outro dia, na banca, fui com tudo. Só faltou piscar para a doutora para confirmar o “nosso acordo”. E não deu outra: passei!

Dias depois, fui pessoalmente à casa do mestre-amigo para contar que eu havia passado e agradecer por sua fundamental ajuda. Disse a ele que a doutora fulana havia sido muito atenciosa e generosa comigo, me fazendo perguntas relativamente fáceis, que pude responder com certa segurança.

Depois de ouvir tudo calmamente, o amigo disparou: “doutora fulana? Nunca ouvi falar!”