Uma técnica de produção de fertilizante ecológico à base de casca de ovos, desenvolvida pelo pesquisador Roger Borges na Universidade Federal do Paraná (UFPR), poderá contribuir para a redução da importação de adubos e fertilizantes químicos pelo Brasil que, no ano passado, somou US$ 15,2 bilhões, um aumento de 90% em comparação a 2020.
De acordo com dados da
balança comercial brasileira, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os
fertilizantes foram os produtos mais importados pelo país, na indústria de
transformação. Em termos de quantidade, o Brasil importou 41,5 milhões de toneladas
de fertilizantes, com expansão de 22%.
Pesquisador atualmente da
Embrapa Instrumentação, Roger Borges disse à Agência Brasil que
a técnica foi desenvolvida a partir da utilização de telha de amianto
para produzir fertilizante ecológico. “Utilizamos resíduos que não são
usados, como as cascas de ovos, ricas em cálcio, ou amianto, que é um
resíduo tóxico”. Conhecendo os componentes químicos da casca de ovo, os
pesquisadores da UFPR pensaram em produzir um fertilizante que não prejudicasse
o meio ambiente e que, ao mesmo tempo, fosse benéfico para a agricultura.
O projeto foi desenvolvido
no Laboratório de Química de Materiais Avançados (Laqma) da UFPR. A técnica
utiliza um processo de moagem mecanoquímico, em que os materiais reagem para
formar novos produtos por meio da energia térmica e de fricção da própria
moagem. A casca do ovo é colocada em um moinho de esferas de alta energia,
juntamente com fosfatos de potássio, que reagem para formar novos compostos
capazes de fornecer fósforo, cálcio e potássio, três componentes essenciais
para o desenvolvimento das lavouras, informou a universidade.
Mistura
A forma industrial proposta
pelos pesquisadores para produzir fertilizante ecológico é usar mais de um
componente. “A composição principal, tanto do amianto, quanto da casca de ovos,
é carbonato de cálcio (CaCO3)”, explicou Borges. A produção industrial prevê
misturar casca de ovos com amianto e outros elementos, como fosfato de
potássio. “No final, a gente tem um fertilizante que poderá ser usado e não
representa nenhum perigo, igual ao feito com amianto, por exemplo”. Segundo o
pesquisador, para ser usado sozinho, o amianto precisa passar
por tratamento de moagem.
Os pesquisadores deram
entrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) com dois pedidos
de patentes envolvendo o tratamento do amianto e da casca de ovos para a
produção de fertilizantes ecológicos. “A gente está desenvolvendo o produto com
o objetivo de venda no mercado”.
Na avaliação de Roger
Borges, a principal economia na utilização desses fertilizantes é que o
aproveitamento é melhor, uma vez que vai se usar menor quantidade do produto e
garantir a mesma produção agrícola, comparado com o fertilizante tradicional
encontrado no mercado. Há vantagens também ambientais, que incluem a reutilização
de materiais não descartáveis, como o amianto, que por sua toxicidade requer
aterros próprios para sua estocagem ou é jogado em lixões, o que demanda
dinheiro para o funcionamento desses locais. Retirando do lixo esses materiais,
Borges afirmou que se consegue convertê-los em valores positivos.
Existem duas classificações
básicas: rejeito e resíduo. No caso do amianto, que é rejeito tóxico, os
pesquisadores conseguem transformá-lo em um subproduto, depois que ele é
tratado. A casca de ovos, por sua vez, é considerada resíduo. Embora não
represente nenhum perigo, consegue-se também direcionar o material
para ter um subproduto. Além disso, o carbonato de cálcio é uma fonte
importante de cálcio que pode ser usada como substituição de calcário, tanto no
caso do amianto, como no da casca de ovos. Borges reiterou que fertilizantes
produzidos a partir de resíduos ou rejeitos apresentam maior eficácia
agronômica quando comparados com fertilizantes convencionais.
Processo
A vantagem de ser um
processo a seco, sem necessidade de utilização de água, evita a necessidade de
etapas dispendiosas de secagem, ao contrário de outros processos que usam a
água como solvente. No produto final, todos os elementos químicos presentes
apresentam alto valor agregado na agricultura, o que elimina a necessidade de
purificação. Borges acrescentou que outra vantagem é a economia de produtos
como o calcário, utilizado na produção de fertilizantes minerais por ser rico
em cálcio, porque as reservas desses materiais são finitas, sendo essencial
utilizá-las de maneira sustentável. Em 2020, as lavouras brasileiras usaram
mais de 45 mil toneladas de calcário agrícola, boa parte dele resultante da
exploração de reservas do país.
O professor Fernando Wypych,
do Departamento de Química da UFPR, que orientou o projeto, informou que por
ser menos solúvel em água, o novo fertilizante é mais sustentável, porque sua
liberação é controlada. Ao contrário dos fertilizantes convencionais, que
liberam os nutrientes de uma só vez, os de liberação controlada respondem aos
estímulos das plantas (estimunoresponsáveis) e mantêm os teores constantes ao
longo do ciclo de produção agrícola.
Wypych disse que a menor
solubilidade do novo fertilizante feito à base de amianto ou de casca de ovos
combate o problema da eutrofização gerada por produtos convencionais, que
deixam as águas turvas, consumindo o oxigênio de rios e lagos e provocando a
morte de peixes e outros animais aquáticos. A decomposição de todo esse
material orgânico produz mau cheiro, além de gás carbônico e gás metano,
principais gases do efeito estufa (GEEs).
A técnica cria ainda um
subproduto que pode ser utilizado para a produção de hidroxiapatita, que é um
material à base de fósforo e cálcio, utilizado para a produção de próteses
ósseas e dentárias. Com maior valor agregado, a substância torna a aplicação
mais atrativa comercialmente. A estimativa é que, anualmente, sejam produzidas
quase 6 milhões de toneladas de cascas de ovos no mundo, segundo a
universidade.