Às vezes penso sobre essa capacidade que temos de preservar a nossa espécie. Afinal, só estamos aqui por causa disso, não é mesmo? A bem da verdade, nós e todos os outros seres que estão vivos também: plantas, outros bichos, insetos, seres microscópicos, como os vírus e as bactérias.

E o que nos leva a essa preservação? Bom, num primeiro momento temos de reconhecer haver uma força poderosa que nos move para isso, mais poderosa do que a nossa própria razão: a força que nos impele a acasalar, o impetuoso desejo do amor em troca de especialíssima recompensa, muito mais saborosa do que chocolate e muito mais inebriante do que a bebida. O grande e saudoso Belchior chamou isso de “força bruta da beleza” numa de suas canções - e o fez com muito acerto, pois trata-se de uma força descomunal, a ponto de haver quem sequer consiga minimamente lidar com ela.

Mas e num plano mais existencial, mais espiritual, por que razão estamos sujeitos a essa força bruta que quase nos obriga a procriar e, assim, a preservar nossa espécie? Por que, afinal, a nossa espécie não se extinguiu, não virou uma pedra a repousar tranquila no canto de uma praia? Será que Deus estaria por trás desta nossa sina, ou será então que essa força bruta seria o próprio, o Todo Poderoso?

E se Deus é isso ou está por traz disso, ele está cuidando de todos os seres vivos e não só de nós, certo? Ora, se todos os seres que estão vivos “sofrem” do nosso mesmo destino de se procriar para se perpetuar como espécie, Deus estaria cuidando deles também, não é mesmo?

E se existe o Céu, onde Deus nos acomodará depois da nossa morte, de se supor que lá também estarão todos os nossos companheiros de vida: pernilongos, serpentes, beija-flores, além das plantas e das borboletas. Parece-me, então, que o Céu seria muito parecido com este nosso mundo daqui. E se o Céu for bem parecido com este mundo daqui, isso significa que já estaríamos num tipo de Céu agora, ou, pelo menos, em algo muito parecido com ele: estaríamos neste momento vivendo numa espécie de antessala do Céu.

Finalmente, se vivemos um mundo parecido com o Céu, então já conheceríamos muita coisa do que iriamos encontrar lá na eternidade. Já saberíamos, por exemplo, que vamos ter de nos aborrecer com os pernilongos. Mas isso é porcaria se pensarmos que as feras e as serpentes estarão por lá também. O que, de todo modo, não seria o pior de tudo, já que a conviver conosco também estariam alguns dos mais perigosos e destrutivos dos seres vivos: os seres humanos.