Bioma tem atualmente apenas
24% da cobertura vegetal original
A preservação da Mata
Atlântica levou uma comunidade em Barra do Turvo, interior paulista, ao
saneamento básico, à autonomia financeira e ao protagonismo comunitário para as
mulheres. A Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (Rama), na região do
Vale do Ribeira, é uma das iniciativas que contribuem para a defesa e
restauração do bioma, que é o mais devastado do país.
A Mata Atlântica, cujo dia é
comemorado neste sábado, 27 de maio, tem apenas 24% de cobertura vegetal
original conservada, e metade disso é de florestas maduras e bem preservadas.
Os dados são da Fundação SOS Mata Atlântica, que revelou nesta semana o desmatamento
de mais de 20 mil hectares no período de um ano, o que equivale a 20 mil campos
de futebol.
Cerca de 70 mulheres e suas
famílias produzem alimentos no modelo de agrofloresta, sem necessidade de
desmatar os terrenos e sem usar agrotóxicos e preservando as águas do entorno.
Todo esse trabalho gerou benefícios para a comunidade, para além de manter a
floresta em pé.
“Na floresta, a gente tem o
cambuci, tem a erva-mate e o pomar, que é misturado com as árvores nativas. E
lá nos quilombos também: eles têm agrofloresta e as plantações deles são na
floresta. Tem banana, pupunha, palmito, horta, tudo rodeado de árvores. Tudo
que a gente planta, nos grupos e no quilombo, é agrofloresta. O que é mais
aberto é onde se planta verdura, mesmo assim é nos cantinhos e com árvore
perto”, disse Maria Izaldite Dias, de 70 anos, integrante da rede desde sua
formação em 2015.
Izaldite lembrou o tempo em
que os esgotos escorriam pelos quintais das casas. Com a implantação do projeto
de agricultura de mulheres da região, foi possível instalar fossas onde antes o
esgoto escorria pelos terrenos. “Eu me sinto muito feliz de hoje, passando na
casa das companheiras, ver que os esgotos não estão escorrendo no terreno e de
saber que isso melhorou a vida das pessoas e que muitas delas tiveram
consciência de não limpar mais seu quintal com veneno”, disse.
“As pessoas andavam doentes,
as crianças com diarreia, e a gente não sabia o que era, estavam sempre nos
postos de saúde tratando e nada adiantava. Melhorou a saúde das crianças, das
famílias”, disse a agricultora. As primeiras fossas instaladas foram fruto de
investimento da própria comunidade, o que chamou a atenção para receber apoio
do município para as seguintes.
Segundo Izaldite, as mulheres
tinham vontade de fazer algo por elas mesmas, mas isso parecia “tão longe da
realidade que a gente nem tentava nada.” A organização da rede contou com o
apoio da Sempreviva Organização Feminista (SOF). “Muito importante também foi o
despertar das mulheres, que aprenderam que tinha coisa que elas podiam fazer,
que elas podiam sair, que elas podiam ter o dinheirinho delas. Então, foi uma
libertação. Muitas mulheres saíram da depressão, porque viviam fechadas, sem
ter o que fazer só dentro de casa e, às vezes, sob os olhos do marido. Era uma
coisa muito triste”, lembrou.
Outra iniciativa é a Rede de
Sementes do Vale do Ribeira, com a proposta de restauração florestal desde 2017
por meio da coleta de sementes pelas comunidades quilombolas da região.
Atualmente, são aproximadamente 60 coletores de cinco dessas comunidades: André
Lopes, Bombas, Maria Rosa, Nhunguara e São Pedro.
Profissionalização
A venda das espécies coletadas
é feita para viveiros e iniciativas de restauração que plantam as sementes e
fazem com que mais florestas cresçam em áreas antes degradadas. O coordenador
da Rede, Juliano Codorna, disse que, no ano passado, foi formalizada uma
cooperativa desses coletores como forma de valorização do conhecimento das
comunidades, para além da geração de renda.
“A ideia é começar realmente a
profissionalizar isso, pensar estruturalmente como um negócio, mas também
valorizar o conhecimento das comunidades, valorizar esses territórios. Porque a
coleta de sementes, a comercialização, só é possível porque existem esses
territórios e porque as comunidades vivem lá há mais de 300 anos, e fazem o
manejo da floresta”, disse.
Codoma ressaltou que a
preservação das florestas dentro desses territórios faz parte do manejo e do
modo de vida das comunidades, ou seja, é manejar fazendo roça e deixando reflorestamento.
Outro resultado do projeto é o despertar das comunidades para espécies que
passavam despercebidas porque não são usadas no dia a dia.
“Hoje, com a coleta de
sementes, você vê vários relatos assim 'eu ia para fazer roça, pegava e botava
a enxada nas costas e ia andando com a cabeça lá até chegar, trabalhar e
voltar. Hoje, eu já vou pelo caminho olhando a semente, olhando se tem uma
árvore com flor, se tem uma semente, se tem algum fruto. Esse trabalho com a
semente desenvolveu também um olhar dessas comunidades para a vegetação”,
afirmou o coordenador da Rede.
Biodiversidade
Para que iniciativas de
restauração tenham mais chance de sucesso, a plataforma Plangea Web, do
Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), oferece a visualização de
áreas prioritárias para ações de restauração e conservação de ecossistemas. O
diretor executivo do IIS, Rafael Loyola, explicou que a lógica da plataforma se
dá diante do fato de a biodiversidade não ser distribuída de forma homogênea.
“Tem lugares com muito mais
biodiversidade do que outros. Por exemplo, a biodiversidade do sul da Bahia, na
Mata Atlântica, é muito maior tanto de flora quanto de fauna do que a
biodiversidade da Mata Atlântica do interior de São Paulo ou do interior de
Minas. A biodiversidade nas áreas montanhosas, como a Serra do Mar e a Serra da
Mantiqueira, é muito maior do que em áreas planas, como o Vale do Paraíba”,
exemplificou.
Diante dessa realidade, Loyola
acrescenta que, só por isso, tem lugares que, se forem restaurados, a
possibilidade de voltar a ter a fauna e a flora que originalmente estavam ali é
muito maior do que outros. Ele aponta três elementos principais que a plataforma
identifica: onde a biodiversidade se concentra, onde o carbono pode ser melhor
sequestrado, ou absorvido, e onde é mais barata a restauração.
“Por isso que faz tanta
diferença ter um mapa de áreas prioritárias, porque, no fundo, você quer ter o
maior benefício possível com o menor recurso. Se você fizer aleatoriamente, vai
ter benefícios, óbvio. Mas não é a maneira mais inteligente de fazer. Por isso
que a gente chama essa abordagem de inteligência espacial. Como é que você usa
o espaço, o território, de uma maneira mais inteligente, para ter mais
benefícios com o mesmo esforço”, explicou.