Você sabe qual o seu lugar de fala? Mesmo? E o lugar de onde você fala? Você sabe? Pois então, pode parecer a mesma coisa, inclusive é fácil imaginar que a maioria das pessoas pensem se tratar do mesmo conceito, mas não, na prática esse “onde você” fala faz toda a diferença, principalmente se tratando de representatividade e responsabilidade com o assunto que está sendo aduzido.

Antes de mais nada, é importante dizer que o “lugar de fala” se tornou em pouco tempo, um adereço que ninguém – ou quase ninguém – quer usar, seja por ignorância ou simplesmente por não importar “meter o bedelho onde não foi chamado”. Seja o motivo timidez, ignorância do assunto ou simplesmente por você dizer a si mesmo: “- I don't give a sh!t”, não é problema meu!, sinto lhe informar, pequeno gafanhoto, mas é, ou quase isso.

Vamos lá, esse conceito de que você só pode falar sobre algo, ou alguém, ou uma situação, se você tem propriedade sobre isso é uma meia verdade, okay? De maneira clara, adianto que não só PODEMOS, como DEVEMOS meter o bedelho, mas com responsabilidade e de forma positiva, agregando uma causa, uma tribo, ou um indivíduo.

Por falar em responsabilidade, deixemos claro que, o lado negativo das coisas todos nós sabemos qual é, e esse não é o objetivo aqui, então não, não vamos perder tempo se escondendo sob o pretexto de que podemos ter “opiniões divergentes” quando sua opinião fere algo ou alguém, pois aí o que te falta de responsabilidade, lhe sobra de crueldade, então que fique claro, o objetivo é ressignificar o que você imagina que seja esse tal lugar de fala. Afinal, quem fala, de onde fala, onde vivem, como se reproduzem?

Brincadeiras a parte, caminhando mais a dentro do tema, é possível definir de forma clara e objetiva o que mais ocorre quando falamos sobre isso, e claro que o motivo por trás disso está aliado a forma que o conceito foi criado e estabelecido, sendo assim, ele sempre segregou, nunca agregou. Mas por qual motivo? Você lembra do “onde você”? Então, está aí... Quando dizemos que “não podemos dizer algo pois esse não é nosso lugar de fala”, estamos de forma até brusca dizendo um alto EU NÃO LIGO.

Ficou confuso? Tá, vamos um pouco mais fundo então, ou melhor, vamos exemplificar da seguinte maneira, um homem branco, hétero, pode falar sobre transexualidade? Pode! E defender a causa ou comunidade LGBTQIA+? Deve! Mas porquê? Pois independente de quem você é, ou o que você faz, se você tem a oportunidade de se posicionar positivamente, agregando com responsabilidade, sem incoerência, é seu dever fazer isso. Foi por esse motivo que deixei claro que não iríamos tratar das “opiniões alheias” – o lado negativo –.

Mas onde entra o tal de onde você fala? Exatamente aí! Um homem branco pode falar sobre os temas supracitados, mas ele não é LGBTQIA+, tampouco transsexual, então ele não vai usar o lugar de fala, mas sim o lugar de onde ele fala, enquanto homem branco, hétero, e sim, privilegiado.

O ponto é, devemos sempre que possível nos posicionar, e isso nos faz entender e aceitar muitos dos nossos privilégios, o que aliás vale a ressalva de que não da pra falar sobre o lugar de onde você fala sem que você tenha conhecimento dos seus privilégios, pois uma coisa está ativamente ligada a outra. Entender esses privilégios vai fazer toda a diferença no modo como você vê o mundo e até como você se posiciona.

Voltando ao exemplo, como complemento, após falar sobre privilégios e entender um pouco mais a relação com o tema, importa que dizer que nesse momento chegamos ou outra questão ou problema, que fica por conta da representatividade, ou seja, já entendemos que esse homem, branco e hétero pode e deve se posicionar *lembrete: de forma positiva e a agregar*, mas um LGBTQIA+ pode se sentir representado? E se ele estivesse falando sobre cota racial, ele ainda poderia defender essa causa? E a pauta do feminismo?

A resposta continua sendo que ele pode falar sim, pode defender sim, assim como agregar, mas essas pessoas ou coletivos podem não se sentir representadas por esse homem, E TÁ TUDO BEM, GENTE! Sério, está tudo certo. O que vale é que não importa quem você é, se você pode somar, some, não faça divisões ou subtrações.

Quer mais um exemplo? Esse homem branco e hétero tem um amigo homofóbico, que está destilando “piadas” homofóbicas de maneira recreativa numa mesa de bar. Esse mesmo homem branco hétero deve deixar esse amigo continuar a passar vergonha ou pode se posicionar, explicar que isso não se faz? Viram? Não estamos falando de alguém LGBTQIA+, nem por isso deixamos de alcançar pessoas que talvez não seriam alcançadas. Essa posição de privilégio é usada a favor de quem não é, até mesmo porquê é quase certo que se fossem LGBTQIA+ falando sobre isso, muito provavelmente não seriam ouvidos nessa mesma mesa de bar.

Não estou dizendo que a representatividade não deve existir, muito pelo contrário, só estou dizendo que devemos aproveitar todas as maneiras e oportunidades para ajudar esse mundão se tornar um pouco melhor, com mais respeito, empatia. É acreditar que estamos no caminho, assumindo nossos privilégios, corrigindo nossas posturas e sempre que possível orientando outras pessoas para que possam corrigir também. É sobre abrir o diálogo, não encerrar.

Enquanto não existe a diversidade na representatividade, representantes mulheres, LGBTQIA+, pretos em todos os lugares e posições, toda ajuda é bem vinda e é sobre isso. Assim, cito a incrível escritora Djamila Ribeiro para uma reflexão que exemplifica todo esse contexto: “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas”.