Mais de 156,45 milhões de pessoas estão aptas a votar no próximo dia 2 de outubro, quando os brasileiros começarão a escolher o próximo presidente da República, além dos futuros governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais. Neste universo heterogêneo de cidadãos, ao menos 23,34 milhões de eleitores e eleitoras atenderão ao compromisso cívico por vontade própria, já que não são obrigados a votar.
A Constituição Federal
estabelece o voto facultativo, ou seja, opcional, para os jovens de 16 e 17
anos de idade; pessoas com 70 anos ou mais e também para analfabetos. Só os
eleitores que declaram não saber ler, nem escrever, ultrapassam os 6,33 milhões
de pessoas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um número que
representa cerca de 4% de todas as pessoas em condições legais de votar.
A diarista Maria Sônia
Ribeiro da Silva, 50 anos, é uma dessas pessoas. Ainda que, a rigor, sua
participação nos pleitos anteriores não tenha sido exatamente espontânea. “Até
hoje, eu não sabia que não era obrigada a votar”, reagiu a diarista ao ser
informada, pela reportagem, que, na condição de analfabeta, não teria sofrido
sanções caso tivesse deixado de votar em eleições passadas. Abolido em 1881, o
direito dos analfabetos ao voto só foi restituído em 1985, por meio de
uma Emenda Constitucional que garantiu a uma parcela da
população que, à época, era ainda maior, o direito a ajudar a escolher seus
representantes políticos.
“Eu votava porque achava que
era o jeito. Que perderia o título de eleitor, pagaria multa, caso não
comparecesse. Até falei com meu marido que, se não fosse obrigatório, eu não
votaria mais, porque é sempre a mesma coisa, as mesmas promessas. Por outro
lado, também acho importante a gente participar, tentarmos fazer com que o país
melhore. Tanto que, agora, sabendo que não sou obrigada, acho que vou repensar
e, talvez, continuar indo votar”, destacou a diarista, explicando que costuma
se informar sobre política pelos telejornais e conversando com parentes e
amigos e na hora de votar, leva consigo uma “cola” com o número dos seus
candidatos.
De acordo com o último censo
populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2010, a taxa de analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais
tinha caído de 13,63%, em 2000, para 9,6%, totalizando 13.933.173 em 2010. Pelos
dados disponibilizados pelo TSE, este ano, o maior número de eleitores que se
autodeclararam analfabetos no momento do alistamento eleitoral tem entre 70 a
74 anos de idade, superando as 730 mil pessoas.
Jovens e Idosos
Além dos analfabetos, há,
entre os dito eleitores espontâneos, 815.063 pessoas com 16 anos de idade e
outros 1.301.718 que já completaram 17 anos. Juntos, os dois grupos somam
2.116.781 eleitores. Um número cerca de 50% superior aos 1.400.617 registrados
em 2018.
Já o total de eleitores e
eleitoras com mais de 70 anos de idade aumentou de 12,02 milhões, em 2018, para
14.893.281, em 2022. Destes, 184.438 têm mais de 100 anos - dentre os quais,
45,4 mil não sabem ler ou escrever.
Favorável à tese de que o
voto deveria deixar de ser obrigatório e passar a ser facultativo para toda a
população brasileira, o cientista político Antonio Lavareda acredita que o
crescente número de pessoas votando sem ser obrigadas indicam um “maior nível
de consciência cívica” e de interesse pela política.
“As pesquisas têm
demonstrado que as pessoas vêm manifestando um inusual grau de interesse pela
política, mais especificamente pelo pleito deste ano. O que pode ser um
indicador de que a participação eleitoral pode vir a ser maior que na eleição
de 2018, quando a abstenção superou os 30 milhões de eleitores”, disse
Lavareda
“O crescimento do número de
eleitores com 70 anos ou mais e de jovens com 16 e 17 anos acompanha o
manifesto interesse do restante da população pelo pleito deste ano. E será
muito bom para o processo democrático se a alienação eleitoral registrada na última
eleição for menor”, acrescentou o cientista político ao pontuar que, apesar das
poucas pesquisas acadêmicas sobre os eleitores espontâneos, é possível afirmar
que, confirmada a hipótese deles serem mais interessados, tendem a ser mais
“ideologizados”, tendo preferências mais “articuladas e consolidadas”. “Com
isso, quem tende a ser menos beneficiado por estes votos são os candidatos
situados mais ao centro do espectro político ideológico”.
Professora e pesquisadora do
Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), a também cientista política Rachel Meneguello considera que
a motivação para o voto espontâneo está associada ao interesse pela política e
à percepção da importância de que, em uma democracia representativa como a
brasileira, os cidadãos devem assumir a responsabilidade de ajudar a escolher
seus líderes políticos.
“As pesquisas mostram que,
nos últimos 20 anos, se o voto não fosse obrigatório, não menos que 40% dos
eleitores iriam votar. Ainda assim, o eleitorado entende o ato de votar como um
ato cívico que faz parte de sua vida política – a ponto de, na
redemocratização, após a ditadura militar, [o direito a] votar para presidente
em eleições diretas ter sido um dos pontos centrais das campanhas que
envolveram grande parte da população”, destacou Rachel.
De acordo com a cientista
política, as pesquisas existentes indicam que a maioria dos eleitores que votam
por vontade própria possuem maiores escolaridade e renda média, mas também
exigem campanhas públicas específicas.
“O acesso à informação geral
e à informação política é um fator central para a mobilização política e esses
grupos [no geral] têm maior acesso, contudo, dependem mais de campanhas
específicas. Neste ano, por exemplo, vimos a campanha do TSE destinada a
estimular o envolvimento dos mais jovens”, frisou Rachel, que também espera uma
menor abstenção eleitoral para este ano, mas ao contrário de Lavareda, defende
a manutenção do voto obrigatório para os demais eleitores.
“Entendo o voto obrigatório
como um dever cívico muito positivo. O eleitor deve praticar a responsabilidade
pela escolha dos representantes que votam por ele no Congresso, assembleias ou
câmaras municipais. O que pode ser aperfeiçoado no caso brasileiro é a
organização do sistema partidário, de forma que os partidos de fato consigam
organizar a informação política para os eleitores, pois sabemos que a média do
eleitoral tem dificuldades em localizar-se no sistema de partidos e definir as
escolhas de deputados federais, estaduais e senadores em um sistema partidário
fragmentado como é o sistema brasileiro”, explicou.