Um aquecimento recente e
rápido dos oceanos do mundo alarmou os cientistas preocupados com a
possibilidade de as mudanças climáticas estarem se acelerando.
Este mês, a superfície
global do mar atingiu um novo recorde de temperatura. O oceano nunca havia
esquentado tanto em tão pouco tempo.
Os cientistas não entendem
exatamente por que isso aconteceu.
Mas eles temem que,
combinado com outros eventos climáticos, a temperatura mundial possa atingir um
novo patamar preocupante até o fim do próximo ano.
Especialistas acreditam que
um forte El Niño — um fenômeno climático que aquece o oceano — também ocorrerá
nos próximos meses.
Oceanos mais quentes podem
provocar a morte da vida marinha, levar a condições climáticas mais extremas,
elevar o nível do mar e reduzir a absorção de gases de efeito estufa que
aquecem o planeta.
Um novo estudo importante,
publicado na semana passada com pouco alarde, destaca uma novidade preocupante.
Nos últimos 15 anos, o calor
acumulado na Terra aumentou em 50%, com a maior parte do excesso indo para os
oceanos.
Isso está tendo
consequências no mundo real — não apenas a temperatura geral dos oceanos
atingiu um novo recorde em abril deste ano, como em algumas regiões a diferença
em relação ao longo prazo foi enorme.
Em março, as temperaturas da
superfície do mar na costa leste da América do Norte chegaram a ser 13,8°C mais
altas do que a média de 30 anos, entre 1981-2011.
"Ainda não está bem
estabelecido por que uma mudança tão rápida e tão grande está
acontecendo", disse Karina Von Schuckmann, principal autora do novo estudo
e oceanógrafa do grupo de pesquisa francês Mercator Ocean International.
"O calor no sistema
climático dobrou nos últimos 15 anos. Não consigo dizer que isso seja (fruto
de) mudanças climáticas, ou variabilidade natural ou uma mistura das duas
coisas. Ainda não sabemos. Mas observamos essa mudança."
Um fator que pode estar
influenciando o nível de calor que chega aos oceanos é, curiosamente, a redução
da poluição causada pelo transporte marítimo.
Em 2020, a Organização
Marítima Internacional implementou um regulamento para reduzir o teor de
enxofre do combustível queimado pelos navios.
Isso teve um impacto rápido,
reduzindo a quantidade de partículas de aerossol liberadas na atmosfera.
Mas os aerossóis que sujam o
ar também ajudam a refletir o calor de volta ao espaço. Removê-los pode ter
provocado a chegada de mais calor às águas.
Outro fator importante que
preocupa os cientistas é o fenômeno climático conhecido como El Niño Oscilação do
Sul.
Nos últimos três anos, esse
evento natural esteve em uma fase mais fria chamada La Niña e ajudou a manter
as temperaturas globais sob controle.
Mas os pesquisadores agora
acreditam que um forte El Niño está se formando, o que terá implicações significativas
para o mundo.
"O modelo do Bureau of
Meteorology da Austrália [a agência australiana de meteorologia] aponta
fortemente para um forte El Niño. E todos os modelos climáticos têm apontado
uma tendência nesse sentido", disse Hugh McDowell da agência.
McDowell alertou que as
previsões neste momento do ano são menos confiáveis. Outros pesquisadores são
mais otimistas.
Um El Niño costeiro já se
desenvolveu nas costas do Peru e do Equador e os especialistas acreditam que um
evento totalmente formado se seguirá com implicações para as temperaturas
globais.
"Se um novo El Niño
acontecer, provavelmente teremos um aquecimento global adicional de
0,2-0,25°C", disse o Dr. Josef Ludescher, do Instituto Potsdam de
Pesquisas Climáticas.
"O impacto na
temperatura diminui alguns meses após o pico de qualquer El Niño, então é por
isso que 2024 será provavelmente o mais quente já registrado."
O El Niño provavelmente
afeterá os padrões climáticos em todo o mundo, enfraquecerá as chuvas de
monções e causará mais incêndios florestais na Austrália.
E há consequências ainda
mais preocupantes. À medida que mais calor chega ao oceano, as águas se tornam
menos capazes de armazenar o excesso de energia.
O calor contido nos oceanos
não fique lá.
Vários cientistas
entrevistados nesta reportagem não quiseram falar quais seriam as implicações
disso.
Um deles disse estar
"extremamente preocupado e completamente estressado".
Algumas pesquisas mostraram
que o mundo está aquecendo em saltos, onde pequenas mudanças ao longo de um
período de anos e depois há saltos repentinos para cima, como degraus em uma
escada, intimamente ligados ao desenvolvimento do El Niño.
Há alguma esperança nesse
cenário, segundo Karina Von Schuckmann. As temperaturas podem cair novamente
depois que o El Niño diminuir.
"Ainda temos uma janela
onde podemos agir e devemos usar isso para reduzir as consequências",
disse ela à BBC News.
Quais
são os impactos do aquecimento dos oceanos?
A temperatura média da
superfície dos mares do mundo aumentou cerca de 0,9°C em comparação com os
níveis pré-industrialização — com 0,6°C tendo subido só nos últimos 40 anos.
Isso é menor do que o
aumento da temperatura do ar sobre a terra — que aumentou mais de 1,5°C desde
os tempos pré-industrialização. Isso ocorre porque é necessária muito mais
energia para aquecer a água do que a terra e porque os oceanos absorvem o calor
muito abaixo de sua superfície.
Mesmo esse aumento médio
aparentemente pequeno tem consequências significativas no mundo real.
- Perda de espécies: ondas de
calor marinhas mais frequentes e intensas levam à mortalidade em massa da vida
marinha. Isso é particularmente prejudicial para os recifes de coral.
- Clima mais extremo: o
aumento do calor na superfície do oceano significa que furacões e ciclones
podem captar mais energia. Isso significa que eles se tornam mais intensos e
duradouros.
- Elevação do nível do mar: as
águas mais quentes ocupam mais espaço — conhecida como expansão térmica — e
podem acelerar o derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártida que
desembocam nos oceanos. Isso aumenta o nível global do mar, aumentando os
riscos de inundações costeiras.
- Menor capacidade de absorção
de CO2: os oceanos absorvem atualmente cerca de um quarto das emissões de gases
de efeito estufa. Águas mais quentes têm menos capacidade de absorver CO2. Se
os oceanos absorverem menos CO2 no futuro, mais CO2 ficará acumulado na
atmosfera — aquecendo ainda mais o ar e os oceanos.