Quando eu era criança pequena, lá em Mauá, ouvia muitas pessoas usarem essa expressão: "Chão de Fábrica", entre outras, tais como "Rádio Pião", "Pião é tudo igual", "Piãozada" e etc. Sempre se referindo à cultura das Fábricas do Grande ABC. No meu caso, convivi com filhos de pessoas que trabalhavam na Volkswagen, Ford, Mercedez, GM, TRW e meu pai, que trabalhou na Philips. Cada história pitoresca.

Enfim, no chão de fábrica a coisa é diferente. Ali os "PIÃO" ou, como diziam, os "PINHÃO", se encontram, trabalham, bagunçam, brigam, comem juntos, criam laços e se tornam uma família. Lembro-me de muitas vezes visitar os amigos do meu pai; eles também vinham até a nossa casa para pescarias, churrascos, e outras atividades. Era uma grande comunidade. Só a Volks chegou a ter mais de 40.000 funcionários só em São Bernardo do Campo, hoje tem pouco mais de 8000, e só metade trabalha na produção. O chão de fábrica deve estar bem menos divertido. Em alguns setores, as luzes ficam apagadas, visto que não trabalham humanos, só máquinas. Esse mundo de homens, na sua maioria, estava espalhado pelo grande ABC, então as expressões e gírias do chão de fábrica eram comuns.

A expressão foi mudando ao longo do tempo, visto que o chão de fábrica passou a não ser a única alternativa de trabalho. Porém, a expressão é usada até hoje, com esse sentido de vida corrida, vida dura, vida simples, vida sem luxo, trazendo um sentido de realidade. A realidade da vida é dura, e a vida que vale a pena mesmo é simples. O sonho do dono da Fábrica é passar as férias em um barquinho no meio do nada. Então, querido leitor, o chão de Fábrica é a realidade da vida e da vida simples e honrada.

E a realidade da vida supera em muito o que a mídia, internet, grupos de WhatsApp ou Telegram mostram. Enquanto no Twitter a vida é uma guerra de narrativas, ataques, política, sujeira, podridão moral e só alguns OÁSIS de sabedoria e sensatez, como o Luciano Pires por exemplo. Aqui, no chão de fábrica, a vida está correndo, a vida está passando, a vida está a todo vapor, a vida não espera a próxima eleição, a vida precisa acontecer agora.

Em poucos meses, o bombardeio da vida real recaiu sobre a minha cabeça de forma que nunca tinha visto ou sentido antes. Veja a lista:

•          Morte de uma senhora muito querida.

•          Morte do meu sogro.

•          Uma pessoa querida se tratando de um tumor no cérebro.

•          Uma pessoa querida tratando de uma suspeita de tumor no seio.

•          Uma amiga de longa data fez a retirada de um seio por tumor.

•          Marido de uma amiga de infância tratando um tumor no fígado

•          A Mãe dessa amiga com dores terríveis de coluna, mais de um mês praticamente sem andar.

•          Uma amiga recente fez uma cirurgia de coluna.

•          Alguns casais em crise me procuraram para ajuda.

•          Fiz uma cirurgia tripla, garganta e nariz, minha filha também.

•          Participei de pelo menos 6 velórios.

•          Vivi uma situação de socorro a uma família, algo terrível que me tirou o sono, mas graças a Deus as coisas se alinharam de uma forma que me deixou feliz, feliz demais com a solução.

Enfim, aqui no Chão de Fábrica a vida não parou com a última eleição ou com o que acontece em Brasília. Aqui, no chão de fábrica, a vida é real, a vida é assim.

Aqui no chão de fábrica, os consultórios de psiquiatras, terapeutas, conselheiros, estão lotados após a tragédia da pandemia. Sentiremos esses efeitos por décadas.

Aqui no chão de fábrica, as medidas do Presidente, Governador e Prefeito são sentidas e são fortemente sentidas, mas o chão de fábrica já passou por muitas e muitas crises lutando, e vai continuar lutando.

Aqui no chão de fábrica, a guerra não se resume a curtidas, likes, posts, textões; a guerra é real, é a luta pela sobrevivência.

Aqui no chão de fábrica, não há tempo para Twitadas para lacrar, aqui o tempo tem que ser usado para respirar, pegar fôlego e partir para a batalha diária.

O chão de fábrica pega ônibus lotado, trem lotado, metrô superlotado, Uber caro e tem a moto e a bike roubada.

O chão de fábrica é muito interessante. Na época da morte do meu pai, em outubro de 1989, muita coisa ficou clara na minha cabeça, uma delas é que o chão de fábrica é solidário. Alguns meses depois da morte do meu pai, um amigo dele veio saldar uma dívida e disse: "aqui está o dinheiro que seu marido me emprestou, para encher a minha laje". Não é bonito? O Brasil não entra em convulsão social, porque aqui no chão de fábrica a solidariedade é grande e muito rápida. Alguém precisa de uma cadeira de rodas? Coloca no grupo do WhatsApp, logo aparece mais de uma.

O chão de fábrica está preocupado com os rumos da política? Sim, está, mas tem muita louça pra lavar, roupa para estender no varal e banheiro pra deixar limpo.

O chão de fábrica não quer saber da economia? Sim, quer saber, mas alimentar três crianças na economia liberal ou socialista ainda vai depender do trabalho duro.

Você tem o direito de não concordar comigo, e isso é perfeitamente compreensível. No entanto, gostaria de te convidar a dar uma volta no chão de fábrica perto da sua casa. Verá que não há tempo a perder; a panela precisa soltar fumaça, as crianças precisam de banana, a roupa precisa ser lavada, os "meninos" estão perdendo as roupas, as dores são intensas e não há médico para atender a todos no postinho; é preciso chegar cedo para pegar a senha. O aluguel está prestes a vencer, e conquistar o seu cantinho está cada vez mais difícil. Porém, nunca paramos de lutar.

O que você vê na TV e na internet não representa o mundo real, não é o chão de fábrica; é apenas uma ilusão. Infelizmente, boa parte dos nossos governantes vive para iludir o povo e aumentar o volume em seus próprios bolsos. No entanto, este país se mantém em pé graças ao Chão de Fábrica.

Eu amo o Brasil, o Brasil real, o chão de fábrica do Brasil.