O Coronga (para os íntimos) cismou comigo um tempinho atrás. Ficou no meu pé por 15 dias seguidos, me atormentando o dia inteiro. Mas era quando eu me deitava na cama à noite pra dormir que ele vinha falar comigo: dizia que “gostava de prosear”.

Eu aceitava, claro (não tinha outro jeito) e me comportava bem, com educação e cordialidade: vai que o bicho fica brabo, é ou não é?

Ele começava falando manso, me agradando, me elogiando, preparando o terreno para me dizer, finalmente, que eu já tinha vivido bastante e que, portanto, deveria acompanhá-lo numa viagem longa e sem retorno. Mas me advertia sempre, com voz muito calma: “vc não precisa decidir agora. Fique tranquilo. Terá 15 dias para pensar e eu o visitarei todos os dias a mor de prosear com vosmecê”. Falou bem assim mesmo, usando esse linguajar caipira antigo só pra me agradar.

E assim fomos mantendo esse nosso colóquio noturno, ele quase me convencendo e eu quase me dando por convencido.

Mas no último dia do prazo ele veio diferente. Dessa vez chegou no quarto com ar grave, olhando pro chão - antes vinha festeiro e sorridente. Parecia estar zangado, aborrecido. Eu até perguntei, a mor de ser gentil, se ele por acaso não tinha dormido muito bem, se tava com fome ou algo assim, mas ele manteve-se calado. Depois começou a me olhar de um jeito estranho, com uns zóios que pareciam de vidro. Ficou assim só me olhando por uns 10 minutos sem falar palavra. Daí falou assim: “pelo que viemos conversando, estou certo de que vc já decidiu me acompanhar. Pois então: chegou a hora de partir!”

Eu olhei pra ele resoluto, mas ao me deparar com aquele olhar gélido, arreguei. Disse que “sim”, depois “não”, depois “calma”, depois “pera um pouco”, depois “podemos conversar?”, e quando ele me olhou de novo com aqueles olhos esbugalhados eu disse “quer dizer, sim, sim, claro que sim!”

Foi daí que me veio a ideia: falei que estava apertado para fazer xixi, pedi licença, saí do quarto e fui mesmo ao banheiro. Foi quando notei que eu estava precisado mesmo, pois metade do xixi  já tinha saído nas calças.

Ao retornar pro quarto, fui ninja: peguei a chave e o deixei trancado lá dentro, falando sozinho.

Dormi no sofá da sala o sono dos justos. Acordei com o sol nascendo na minha cara. Viva! Já era o dia número 16!

Se é loco, véi!