As chuvas que andam a nos castigar me remeteram a um poema que escrevi há alguns anos, que segue abaixo. É um poema duro, grave, um desabafo, uma espécie de grito que sempre temos de dar, no meu entender, até que possamos, quem sabe um dia, nos vermos mais humanos, mais parceiros, mais orgulhosos de nós mesmos e de nossa pátria. Aqui vai ele:
Outras tormentas
Que
essa chuva incessante
veio
para lavar a nossa cara,
para
que vejamos
bem
a nossa vergonha -
a
vergonha de gente
que
olha mas não se reconhece
e que sabe mas não tolera
Que
essa água
em
abundância veio
para
lavar as escadarias
das
igrejas, praças e palácios,
sempre sujas de lama e sangue
Que
esse jorro cristalino
veio
como espelho
para
que nos enxerguemos
mais
claramente avarentos, covardes e vis
Que
essa enxurrada chega
para
nos arrastar
e
nos afogar
nos bueiros dos nossos becos
Que
depois que a chuva cessar,
o
dia amanhecer
e
o sol voltar a brilhar,
nos
veremos a salvo
e
nos julgaremos felizes,
até
que novas tormentas venham
para
nos lembrar do óbvio