Levantamento
é de núcleo da Universidade de São Paulo (USP)
O Brasil tem 20% da
biodiversidade do mundo. No entanto, isso não se reflete nos alimentos que
estão na mesa da população. De acordo com estudo do Núcleo de Pesquisas
Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo (USP), a
quantidade de alimentos com origem na biodiversidade local adquirida pelos
brasileiros foi considerada baixa. A pesquisa foi publicada nesta sexta-feira
(21) na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A valorização e a expansão
da monocultura em detrimento de pequenos agricultores é um dos elementos que
explicam esse resultado. O artigo que traz os resultados aponta que eles “são
insatisfatórios e abaixo do que se espera de um território biodiverso e de um
sistema alimentar que é destaque mundial. É necessário um maior comprometimento
para a promoção de ações que fortaleçam o consumo desses alimentos entre
brasileiros”.
“O estudo tem como objetivo
descrever a disponibilidade de alimentos nativos de cada estado do Brasil [para
a população]. Consideramos frutas, legumes e verduras da biodiversidade. E o
que a gente observou é que a disponibilidade desses alimentos é bem baixa”,
disse Anderson Lucas, um dos autores do artigo.
Baixo
consumo
Para ele, o consumo de
frutas, legumes e verduras no Brasil já é baixo, mas, observando pela
alimentação com itens da biodiversidade local, identificou-se uma quantidade
menor ainda. “Isso se dá principalmente pela mudança do sistema alimentar
global que favorece o cultivo de commodities, como milho e soja, que são base
de alimentos ultraprocessados,” salientou.
Lucas afirmou que sempre
houve uma baixa aquisição de alimentos nativos no Brasil, mas, com a expansão
da monocultura nos últimos anos, essa disponibilidade de alimentos da
biodiversidade está caindo ainda mais.
A disponibilidade total
(gramas/per capita/dia) de alimentos correspondeu a uma média de 1.092 gramas.
A média da disponibilidade de frutas, legumes e verduras no país é de
108,67g/per capita/dia, sendo que apenas 7,09g corresponde à parcela de
alimentos de origem da biodiversidade local.
Como biodiversidade local,
os pesquisadores consideraram alimentos nativos do estado em que vive aquela
pessoa. Os dados se referem a 38 alimentos nativos. Foi utilizada uma amostra
com dados de aquisição de alimentos de 57.920 domicílios, coletados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 a 2018.
Separadamente, o grupo das
frutas corresponde a 56,7gramas/per capita/dia, sendo que apenas 5,89g é a
parcela de itens da biodiversidade local. No caso das verduras e legumes, são
51,97gramas/per capita/dia, sendo que 1,20g são alimentos nativos.
Por biomas, a caatinga
apresentou a maior disponibilidade de frutas nativas na aquisição pela população
(4,20g/per capita/dia), enquanto para legumes e verduras, a Amazônia se
destacou (1,52g/per capita/dia).
“Isso faz mal não só para a
saúde do planeta como também da população, através de impactos ambientais, além
de não valorizar a agricultura sustentável, só valorizar agricultura por meio
monótono, que é utilizando muitos agrotóxicos e venenos. E também como isso
prejudica as culturas tradicionais no Brasil, porque esse tipo de alimento que
estamos destacando faz parte de algumas comunidades de povos indígenas, além de
agregarem também para agricultura familiar”, explicou.
O pesquisador sustentou que,
sobre o consumo de frutas, legumes e verduras, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomenda quatrocentas gramas
diárias desses alimentos em cinco ou mais dias da semana.
Soluções
Para o pesquisador, o
primeiro ponto para uma mudança nessa realidade seria considerar a sazonalidade
dos alimentos, valorizando aqueles cultivados em ambientes naturais e não em
ambientes controlados, com uso de agrotóxico e fertilizantes, que,
artificialmente, levam ao maior rendimento daquela cultura. Ele acrescentou que
é preciso repassar tais alimentos com preço justo para a população.
“Para isso, a gente tem que
incentivar o cultivo desses alimentos, então é preciso criar feiras, espaço de
troca de conhecimentos e dar apoio técnico aos agricultores e às comunidades
que plantam e colhem alimentos da biodiversidade. A gente observou que alguns
alimentos precisam de um trabalho muito manual para extração, por exemplo, o
coco babaçu, que necessita ser quebrado para tirar a castanha que tem dentro
dele para fazer leite da castanha de babaçu, além de farinhas e outras coisas”,
disse.
Em relação a introduzir os
alimentos nativos na dieta da população, ele citou a possibilidade de inclusão
na alimentação escolar, principalmente por meio do Programa Nacional de
Alimentação Escolar, que adquire alimentos da agricultura familiar.
“Colocar esses alimentos na
alimentação escolar e [introduzir] o debate sobre alimentação nas escolas para
ensinar as crianças desde cedo a escolher e consumir os alimentos nativos, além
de identificar quais alimentos são nativos de cada região e começar um
questionamento sobre a origem dos alimentos”, sugeriu.
Origem
esquecida
Ele acrescentou que, por
conta dos alimentos ultraprocessados, as pessoas acabam esquecendo a origem dos
alimentos e que muitos não conhecem como é o alimento in natura, só sabem como
é o pacote após ser processado. Nas cidades, há ainda maior distanciamento
entre produção e população.
“[É preciso] reaproximar a
população através da produção dos alimentos, então a gente observa que a
população agora vive em grande maioria na área urbana, então incentivar por
meio de hortas comunitárias seria um bom exemplo para aumentar a
disponibilidade desses alimentos nas áreas urbanas”, finalizou.