Caminhos abertos para o turismo
afastam usos ilegais
A prospecção para definir novas
trilhas em regiões onde as cidades desenvolvem projetos de turismo ecológico
vem contribuindo para a recuperação da vegetação da Mata Atlântica, que também
traz de volta animais aos seus ambientes naturais. A descoberta de novas
trilhas tem mais uma consequência positiva: consegue afastar caçadores na
medida em que os visitantes acabam se apropriando dos locais que antes eram
explorados indevidamente.
Todo esse trabalho tem recebido
cada vez mais apoio e, além de organizações não governamentais (ONGs) como o
Caminho da Mata Atlântica, as populações locais se envolvem. Elas participam de
reuniões que definem a região a ser
visitada para verificar se ali pode surgir mais uma trilha.
O coordenador nacional da
comissão de governança do Caminho da Mata Atlântica e consultor do Caminho do
Recôncavo junto ao Movimento Viva Água, Chicão Schnoor, disse que já é um dado
histórico comprovado, que quando uma trilha é aberta para turismo afasta outros
usos ilegais. “Quanto mais fomentarmos um turismo consciente, responsivo e
regenerativo no território, mais se consegue que ele seja melhor preservado e
gere renda para as populações locais”, disse à Agência Brasil.
Chicão afirmou que neste momento
estão sendo implementadas duas trilhas de longo curso, na Baixada Verde, nome
dado atualmente pelos ambientalistas à Baixada Fluminense ao redor da Baía de
Guanabara. Eles são o Caminho do Recôncavo da Guanabara e o Caminho da Mata
Atlântica.
“Para isso, estamos conversando
com as populações locais, validando com eles os roteiros, os locais de parada
e, a partir daí, procurando o poder municipal para ter esse apoio, que já está
vindo também. Falta ainda uma divulgação desse roteiro para que as pessoas
saibam que existe e comecem a usufruir dele, para fortalecer o turismo local.
Falta uma estruturação dos parques locais que não têm portaria, poucas equipes
e pouca capacidade de fiscalização”, disse o coordenador.
“Quanto mais puder apoiar e
fortalecer o Refúgio da Serra da Estrela, o Parque Estadual dos Três Picos, o
Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a Área de Proteção Ambiental (APA) de
Petrópolis, a APA de Suruí, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS] da
Serra de Estrela e tantos outros, a gente consegue, a partir da divulgação e da
reestruturação deles, cada vez mais trabalhar para que esse turismo seja
responsivo e regenerativo no espaço”.
Schnoor propôs a divulgação de
campanhas para incentivar o conhecimento das áreas de preservação. “É
interessante pensar em campanhas que aproximem a população das unidades de
conservação, mostrando como elas são benéficas no território e como a gente
precisa desses serviços ambientais” disse, destacando que o projeto Movimento
Viva Água, desenvolvido pela Fundação Boticário, no entorno da Baía de
Guanabara, que chama atenção para as bacias e montanhas da região, tem serviços
ambientais fortíssimos como a regulação de temperatura, da água e da erosão.
Parnaso
Conforme o coordenador, Magé é o
único município dos que compõem a área do Parque Nacional da Serra dos Órgãos
(Parnaso) que não conta com uma sede de entrada e postos de fiscalização como
já tem Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim. De acordo com ele, a expansão da
área do Parnaso avançou para Magé em grande parte, o que por um lado pode ser
bom, mas ao mesmo tempo se transformou em área intangível que não pode receber
visitação e tornou-se restritiva, enquanto há um potencial muito grande ter renda
por meio do turismo responsável, criando um zoneamento do parque com a
estruturação dos atrativos de Magé.
“Junto com a prefeitura de Magé,
estamos debatendo com responsáveis pelo parque a melhor maneira de abrir uma
portaria e mudar o zoneamento, para que a população de Magé e turistas possam
vir para esse município e aproveitar o Parque Nacional da Serra dos Órgãos”,
observou.
Chicão revelou que chegou a fazer
a prospecção de uma trilha, após avisar aos responsáveis pelo parque, mas como
atingia a área intangível não pôde consolidá-la. “Esse trecho tinha cachoeiras,
grutas, mirantes, dois jequitibás centenários. É uma trilha fechada e quem faz
ela são os caçadores. Encontrei um acampamento de caçadores ilegal. Quando o
turista não vem, o caçador vai. Isso já foi provado, quando o Parnaso foi
fechado na parte alta que estava cheia de caçadores. Tem histórico do próprio
parque. Em vez de fechar e deixar o caçador vir, vamos abrir e chamar os
turistas para conhecerem e chamar as escolas para fazer educação ambiental.
Esse é o papel de um parque nacional e é isso que o Parnaso tem que fazer em
Magé”, defendeu.
Planejado em 2012 como roteiro
macro de trilhas, o Caminho da Mata Atlântica já aumentou o planejamento em
mais de mil quilômetros. Segundo o coordenador, os novos rumos de caminhadas
são definidos após conversas com populações locais, procurando desvios mais
interessantes para atrair turista, Por isso, toda definição de nova trilha
começa com uma reunião com a comunidade local, mostrando o traçado planejado em
2012. É assim que o Caminho da Mata Atlântica vai ganhando extensões, como a
parte que atualmente passa pela Guia de Pacobaíba, em Magé.
“A partir de reuniões com a
comunidade local, o Caminho começou a passar aqui. Esse trabalho é demorado.
Tem lugar que a gente chega e está simples, mas tem lugar que a gente chega e
está complexo. Há lugares que avançam, outros não. A gente vai pouco a pouco. O
Caminho da Mata Atlântica é uma trilha muito grande, são 4.300 quilômetros
(km). A gente já tem 800 km sinalizados, hotéis e guias cadastrados como
parceiros oficiais para apoio do Caminho, mas como é um quebra-cabeças de
várias trilhas já existentes, pode ser feito completo se alguém quiser”,
afirmou.
Já o Caminho do Recôncavo da
Guanabara, seguindo Schnoor, é baseado em iniciativa com a possibilidade de um
traçado que ainda não foi mapeado. Nesse caso, é preciso fazer primeiro uma
prospecção de campo, antes de se ter uma prospecção de pessoas. A próxima é
verificar a rota que pode ser realizada entre a Reserva Ecológica de Guapiaçu
(Regua), em Cachoeiras de Macacu, e a Ecovila El Nagual, em Santo Aleixo, em
Magé.
Acessibilidade
A definição das trilhas passa
ainda pelo grau de dificuldade que ela representa. Enquanto uma pode ser de
fácil acesso aos visitantes, outra pode apresentar desafios, principalmente a
quem não está acostumado a fazer as caminhadas. São obstáculos que se
apresentam na trajetória como atravessar rios, desviar de troncos caídos ou
andar em mata fechada e em áreas encharcadas. Podem incluir tombos e
escorregões. Em alguns lugares, a colocação de cordas ou passarelas sobre os
rios poderia facilitar muito a caminhada.
Para Thiago Valente, gerente de
projetos da Fundação Boticário e líder do Movimento Viva Água Baía de
Guanabara, o princípio para garantir a acessibilidade nas trilhas é deixar
claro o nível de dificuldade. Na visão do biólogo, muitos lugares ainda são
explorados de forma artesanal, com um guia que conhece o local, o cânion ou a
cachoeira, mas mesmo em áreas formalmente protegidas, como os parques nacionais
e estaduais, destinadas ao uso público, há carência grande de investimentos que
consigam dar condição mínima aos visitantes de forma segura.
“Isso preocupa não só a gente,
mas as pessoas que trabalham com o turismo. É diferente de países como os
Estados Unidos, que entendem a oportunidade e operam hoje uma indústria
bilionária, que representa, por exemplo ,uma fatia do Produto Interno Bruto (PIB)
norte americano. No Brasil, esse potencial está ainda adormecido”, disse
Valente, em entrevista à Agência Brasil.
A acessibilidade dentro de
unidades dos governos federal e estaduais depende de investimentos públicos,
mas segundo o biólogo, vem crescendo o interesse em projetos privados, que,
acredita, podem também ser desenvolvidos por meio de parcerias
público-privadas. Nesse caso, os investimentos caberiam aos empreendedores.
“Para esse impulso inicial, pode
ser um caminho interessante aproximar o setor privado, investidores que estão
olhando para projetos com potencial de gerar esse impacto social ou ambiental
positivo. O gargalo da infraestrutura geralmente é o mais simples de se
resolver do ponto de vista dos investimentos. Fazer estudos de acessibilidade,
construir infraestruturas que facilitem a chegada dos turistas para que eles
possam ter uma experiência completa e sem riscos. Realmente, há casos em que as
pessoas vão e se deparam com uma estrutura bastante precária. Nesse território
da Baía de Guanabara, nós estamos buscando fortalecer as alianças e criando
diálogo com o poder público. Mesmo que seja uma atribuição, acho que podemos
tratar isso como um desafio coletivo”, comentou.