Hoje, 10 de Outubro, comemoramos o Dia Mundial da Saúde Mental. A data foi criada no ano de 1992 pela Federação Mundial da Saúde Mental. A saúde mental é uma das aéreas mais negligenciadas do sistema de saúde pública mundial. 

Isso quer dizer que milhões de pessoas não têm acesso a tratamentos adequados para as suas condições mentais. Os últimos meses trouxeram muitos desafios: para os profissionais de saúde, que prestam seus serviços em circunstâncias difíceis e vão trabalhar com medo de levar a COVID-19 para casa; aos alunos, que tiveram que se adaptar às aulas à distância, com pouco contato com professores e colegas e preocupados com o futuro.

Nós do GNTC tivemos uma conversa com a psicóloga Patricia Rodrigues para falar um pouco sobre este tema tão importante.

 

GNTC: O que se entende por saúde mental?

Patrícia Rodrigues: De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe uma definição oficial do que seria a saúde mental.  De forma geral, pensamos em saúde mental quando nos referimos a como reagimos diante de diversas situações, mudanças e exigências impostas pelas situações cotidianas e como harmonizamos nossas ideias, nossas emoções e nossos comportamentos– adequados ou não -  frente a estes contextos e ter um equilíbrio nas reações contribui e muito para nossa saúde mental.

GNTC: Como a pandemia global de coronavírustem afetado (e ainda pode afetar) a saúde mental das pessoas?

PR: Desde o início da pandemia, tenho lidado diariamente com pessoas que se desajustaram neste período, e hoje temos diversas pesquisas em andamento para avaliar este impacto em termos de população global. 

Na minha prática clínica, o que pude verificar foram desajustes a princípio de ordem emocional e depois e não menos importantes, de ordem psicossocial. Fomos tolhidos em nossa liberdade de ir e vir, impedidos de estar com pessoas que amamos, perdemos muitas pessoas e não tivemos a oportunidade de nos despedir, nossas vidas foram modificadas em vários aspectos e todos tivemos que nos reinventar. Todos os planos que tínhamos foram alterados numa fração de segundos.

Todas estas alterações afetaram as condições sociais como os fatores culturais, sociais e interpessoais e para falarmos em saúde, estas precisam ser favoráveis. A pandemia alterou significativamente estas condições.  O mundo do trabalho foi afetado e com isso, nossa estabilidade. A hierarquia de nossas necessidades abalou-se, e levaremos um tempo para nos recuperar.

GNTC: Que consequências o isolamento pode trazer para a nossa saúde mental? 

PR: Não podemos generalizar neste sentido. Numa análise de saúde mental e lembrando que nos referimos à saúde mental em  como reagimos diante de diversas situações, mudanças e exigências impostas pelas situações cotidianas e como harmonizamos nossas ideias, nossas emoções e nossos comportamentos o isolamento teve efeitos diversos e não afetou igualmente a todos.  Eu acredito que o maior prejuízo, em termos de isolamento,  foi para nossas crianças e adolescentes que, afastadas do convívio social e da escolarização formal, já estão manifestando prejuízos no acompanhamento do conteúdo acadêmico e no desenvolvimento socioafetivo.

GNTC: Que hábitos podem ser cultivados para amenizar a ansiedade e angústia durante esse período?

PR: A ansiedade pode ter seus sintomas diminuídos com sessões regulares de mindfullness em que concentramos toda nossa atenção na respiração, método de treinamento mental chamado de também de atenção plena.

Sem a necessidade de lugares e posições específicos, a prática consiste em  focar toda nossa atenção na respiração, observando nossos pensamentos e deixando de brigar com eles.  Percebendo que não somos nossos pensamentos, observamos sem criticar. Como observadores, podemos perceber que os pensamentos e as sensações a eles atreladas, vão e vem, sem a necessidade de nos fixarmos neles, observando-os com curiosidade e permitindo que se afastem. 

Estudos científicos revelam que esta prática – e deve se tornar prática/hábito para que possamos sentir seus benefícios - tem importante influência na saúde. E está disponível 24 horas dos nossos dias, em todos os momentos e lugares.

Muitos benefícios podem ser sentidos com a prática regular da atenção plena.  Lembrando que não é religião, apenas um método de treinamento mental, não precisa de muito tempo, mas de persistência e certa disposição para experimentar algo novo, que nos desligue do piloto automático e nos possibilite sermos mais observadores de nossos pensamentos e sensações, do que refém deles.

GNTC: O que as pessoas que estão sem trabalhar podem fazer para atravessar este momento da melhor forma possível?  

PR: Esta é uma questão que tem afetado muitas famílias. O que pude perceber é que muitas pessoas buscaram novas formas de produzir, apostaram em habilidades que nem sabiam que tinham, usaram da resiliência para enfrentar esta adversidade

GNTC: Como sei que preciso de terapia? Como diferenciar tristeza de depressão?

PR: Precisamos nos lembrar de que o sofrimento psíquico é um fenômeno humano. Ele é inevitável e pode ser considerado parte da condição humana, inclusive, parte da própria saúde, afinal manifestações emocionais e respostas a sofrimentos e desconforto diante de situações fala muito sobre como analisamos o que ocorre à nossa volta e sobre transtornos que possamos ter. Para melhor explicar, imagine não se sensibilizar diante da dor alheia, não demonstrar empatia pelo sofrimento alheio, não “sentir nada” diante do que passamos nestes dois últimos anos? Isso fala muito sobre a nossa saúde mental. Então, neste sentido, uma depressão – considerada um transtorno mental – atravessa a linha limítrofe do que consideramos uma tristeza como manifestação de um sofrimento psíquico. A depressão diminui nossa capacidade adaptativa, e altera fatores de nosso funcionamento habitual, o que não observamos na tristeza, por exemplo. Mas a depressão pode surgir após uma tristeza não acolhida. Um profissional de saúde mental pode auxiliar na análise desta linha limítrofe.

Terapias são indicadas para vários fins e pode ser para autoconhecimento, para o tratamento de transtornos, e ainda para manejo de sofrimentos psíquicos antes do transpasse da linha limítrofe que o separa de uma disfunção psicológica.

 

GNTC: Quais as estratégias de saúde mental que podem ser usadas com a população economicamente vulnerável, que não tem recursos básicos mínimos para a sua sobrevivência e se preocupam com a falta de alimentos e de insumos básicos?

PR: Os municípios, em sua maioria, possuem unidades do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que contam com equipes especializadas para auxílio a este tipo de demanda, inclusive com serviço social, e ainda unidades como Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Normalmente as Unidades Básicas de Saúde fazem os acolhimentos e então encaminham se necessário a estas unidades citadas.

GNTC: Como você vê o atendimento online? E os grupos terapêuticos online? Quais são as principais ferramentas de mediação? Como abordar os públicos diversos no atendimento e acolhimento, uma vez que nosso contato agora se dá virtualmente?

PR: O atendimento online não é uma modalidade de atendimento psicoterápico advindo da pandemia. Há alguns anos esta prática já tinha sido regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia. Tornou-se mais usual neste período. Na minha prática clínica, alguns pacientes se adaptaram bem a este formato, outros não. As ferramentas de mediação dependem da linha teórica que orienta o profissional. Eu trabalho online com a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) com adultos. A TCC oferece muitas ferramentas que possibilita o atendimento online de forma similar ao presencial, em especial aos adultos.  Hoje já retornamos ao atendimento presencial para a maioria dos pacientes, e atendo online apenas os pacientes que residem em outros municípios e que pela distância não fica viável o deslocamento.

 

GNTC: Como trabalhar com o luto?

PR: Vivenciar o luto é um sofrimento psíquico, mas que se não bem elaborado, pode evoluir para um luto complexo e persistente. A atenção de um profissional da saúde mental pode auxiliar, e muito, neste processo. É hora de buscar ajuda quando este sofrimento começa a impactar em nossas vidas de forma a afetar substancialmente nosso funcionamento adaptativo, nossa rotina.

 

GNTC:  Passamos pelo Setembro Amarelo, qual o recado que você tem para falar aos nossos leitores a respeito dessa causa?

PR: Precisamos sempre nos lembrar que o estigma e o julgamento negativo do tema Suicídio podem afetar a busca por auxílio. Precisamos derrubar alguns mitos sobre o assunto que não são verdadeiros.

É necessário entender que nem sempre as pessoas que falam sobre suicídio não farão mal a si mesmas. Tendemos a imaginar que isto constitui uma fonte de atenção para si, mas isto pode não ser verdade. Precisamos entender que o suicídio não é sempre impulsivo e ocorre sem avisos prévios. As ideações estão ali e normalmente manifestadas. Muitas vezes não é uma opção, uma decisão que não pode ser modificada e, portanto, não há o que possamos fazer. Quase sempre é um sofrimento imenso, no qual a pessoa que está imersa não vê saída.  O momento de crise muitas vezes é uma incapacidade de lidar com estressores como problemas financeiros, fim de relacionamentos, dores crônicas, enfrentamento de conflitos. Podemos sim, ser o fator moderador de ajuda neste sentido.

Neste sentido, meu recado é para que estejamos atentos aos sinais que na maioria das vezes é manifestado e que busquemos ajuda. Falar sobre isso não vai criar incentivos ao ato ou decisão, mas mostra ao outro que podemos compreender o que está sentindo e isso pode diminuir a ansiedade e se tornar um fator protetivo. Ouça! Isto pode salvar uma vida.