Temos atualmente 33 milhões de brasileiros passando fome. Quase a população inteira do Canadá. Mas nem todo mundo sente a mesma coisa diante desse fato, embora desumano, aterrador, animalesco, incivilizado.

E nem todo mundo vê isso de perto, a depender de onde mora, de onde trabalha, por onde passa, ou seja, a depender da bolha em que vive.

Mas ontem eu vi, com estes olhos que a terra há de comer, uma cena chocante. Em Sampa, em plena luz do dia, na parte mais elegante da Avenida Angélica, adornada neste ponto por um grupo de pessoas com roupa de festa, que aguardava poder entrar num bufê e celebrar. A dois metros deles um homem imundo, como se saído de um buraco da terra, revirava ligeiro um saco de lixo. Achou um pedaço de carne, o enfiou na boca e saiu andando sem olhar pra ninguém - nem pra mim, que caminhava no sentido inverso e cruzei com ele.

Parecia ignorar os demais não por revolta, por inconformismo. Estava tão absorto que ninguém por ali existia ou fazia algum sentido. Comer era a única coisa que lhe importava. Aquele homem lutava para sobreviver como se estivesse numa UTI respirando por aparelhos. Mas estava ali, na rua, diante de mim e de outros, agonizando sem socorro.

Hoje comprei carne assada para o almoço. A companheira fez o resto. Tudo certo, tudo nos conformes do domingo do descanso merecido, do revisar os planos, do revisitar os desejos, do celebrar o sucesso dos filhos, não fosse o gosto amargo, o furo no estômago já cheio, a dor no peito, enfim, a tristeza que pauta a vida de todo e qualquer brasileiro.