Doença
atinge 1% dos bebês nascidos no Brasil
O Dia Nacional de
Conscientização da Cardiopatia Congênita, uma anomalia na estrutura ou função
do coração, é lembrado nesta segunda-feira (12) no Brasil. Segundo o Ministério
da Saúde, 1% dos bebês que nascem no país tem alguma cardiopatia congênita.
Isso significa cerca de 29 mil a 30 mil novos casos por ano. Na terça-feira
(13), o Instituto Nacional de Cardiologia (INC) promove uma sessão de portas
abertas para pacientes e familiares, com o objetivo de ajudar no entendimento
de cada pessoa e esclarecer dúvidas sobre a doença.
A anomalia surge na
gestação. “A criança nasce com o problema; vem da barriga da mãe e, ao longo da
vida, vai lidar com a doença, no formato da complexidade do que é a doença na
origem”, disse à Agência Brasil a coordenadora do Serviço de Cardiopatia
Congênita no Adulto e Doenças da Aorta do INC, Maria Carolina Terra Cola,. A
unidade é referência do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro no tratamento de
crianças e adultos com cardiopatias congênitas.
A doença pode ser mais ou
menos complexa, explicou a médica. Quanto mais simples, maior é a chance de a
criança ter a doença tratada logo, ou seja, na primeira ou segunda infância, e
ficar sem nenhuma sequela, tendo só o acompanhamento cardiológico normal, disse
Maria Carolina.
Quando a cardiopatia
congênita é mais complexa, ou muito complexa, a criança, adolescente ou adulto
vão acabar tendo que lidar com o problema a vida toda e, muitas vezes, voltar
ao hospital para internações e intervenções, que podem ser cirurgias ou
cateterismo. “E vivenciar isso a vida inteira, com maior ou menor grau de
limitação, em relação às coisas simples da vida, como se exercitar,
engravidar”, acrescentou.
Riscos
De acordo com a médica, os
riscos específicos relacionados à cardiopatia congênita incluem infecção no
coração (hemocardite) e necessidade de colocação de marca-passo. “A vida do
paciente será de acordo com a complexidade da cardiopatia. Vai ser de acordo
com as sequelas, os resíduos iniciais que a doença deixou na vida dele”. Muitas
vezes, o jovem tem de colocar uma válvula no coração que, ao longo da vida,
terá de ser trocada mais de uma vez, em períodos de dez anos.
As doenças mais simples
podem até ser consideradas curadas na infância. O paciente vai ter
acompanhamento médico, que pode ser feito pelo cardiologista. Já nas
cardiopatias de média para alta complexidade, a gama de pacientes precisará ser
assistida por um especialista. Isso sem contar questões da vida adulta, como
trabalho, formação, estudo, possibilidade de engravidar, necessidade de
esterilização devido ao risco alto de engravidar, risco de endocardite e
necessidade de novas intervenções para pacientes mais complexos.
Maria Carolina informou que
pessoas com cardiopatia congênita devem praticar atividade física, mas de
acordo com suas possibilidades. ”Tem aqueles para os quais será liberada só a
caminhada e outros que podem até ser liberados para esporte competitivos.”
As sequelas podem ocorrer na
função cardíaca, na função de válvulas cardíacas, e também sob a forma de
arritmia, hipertensão arterial pulmonar. As alterações residuais que ficam no
paciente é que vão determinar o que ele pode fazer, qual é a mulher que poderá
engravidar sem nenhum problema. A vida do jovem ou adulto jovem cardiopata
congênito será norteada pela complexidade da doença em relação a esses fatores.
Segundo a médica, essas
questões vão poder ser customizadas de acordo com a gravidade e com o que o
paciente apresenta em termos de lesões residuais, de problemas cardiológicos
decorrentes da cardiopatia congênita. Ela ressaltou que mesmo mulheres que já
trocaram a válvula do coração, mas que tenham cardiopatia congênita de média
complexidade, poderão engravidar. Já as pacientes que acabam evoluindo para
insuficiência cardíaca, hipertensão arterial pulmonar, arritmias, terão a
contraindicação, porque a gravidez se torna risco para sua vida.
Algumas situações de risco para
engravidar podem ser resolvidas operando, destacou a médica do INC. Outras
alterações, contudo, não podem ser resolvidas com cirurgia. “Para essas
pacientes, a gente desaconselha a gravidez”. As crianças do sexo feminino com
cardiopatia muito complexa devem ser conscientizadas ao longo da adolescência,
antes até da entrada na vida adulta, sobre o risco que vão correr se
engravidarem.
Estatísticas
A cardiopatia congênita pode
ser transmitida da mãe ou do pai para o filho. Por isso, é importante em
famílias em que a cardiopatia se repete, que o paciente saiba que podem
transmiti-la aos filhos. Não é incomum encontrar famílias com várias
alterações.
O número de adultos
cardiopatas congênitos tem crescido continuamente. Um estudo de 2018 estimou
que existam 50 milhões de adultos portadores de cardiopatia congênita no mundo.
O Brasil acompanha a tendência mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
a incidência de cardiopatias congênitas varia entre 0,8% nos países com alta
renda e 1,2% nos países com baixa renda – o valor médio de 1% de incidência é
aceito para o Brasil e demais países da América Latina.
Nas duas últimas décadas, a
mortalidade por cardiopatia congênita em crianças caiu quase três vezes, graças
a avanços nas técnicas cirúrgicas e hemodinâmicas e nos diagnósticos cada vez
mais precoces e precisos feitos, muitas vezes, em fetos no útero das mães.
“Isso deu uma sobrevida maior aos pacientes. Eu tenho pacientes operados na
década de 1970.” No início, eles eram atendidos, não por especialistas, mas
pelo pediatra, e viviam menos.
Maria Carolina destacou que
muitos cardiopatas congênitos enfrentam dificuldades de engajamento na vida profissional
e até de acesso ao ensino básico, ao terceiro grau. Muitos também não se
consideram capazes. “Essa é uma de nossas preocupações. Muitos pacientes com
baixa complexidade nos abordam querendo laudo para o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), e nós explicamos que eles estão bem. A cardiopatia está
curada, porque foi operado na infância, e as sequelas não são graves. O
paciente pode estudar e trabalhar.”
A médica defendeu a
necessidade de promover o desenvolvimento pessoal e profissional desses
doentes, porque é melhor ser um indivíduo produtivo, que colabora com a
sociedade e consigo mesmo, na medida em que amplia sua autoestima e a
realização pessoal. Nos casos de mais alta complexidade, quando o paciente não
tem condição de trabalhar, são necessários laudos para benefício do INSS,
porque ele tem limitação natural.
Fora
da curva
A médica Maria Carolina
aponta o caso de Cintia Maia como “um ponto fora da curva”. Diagnosticada com a
doença com um mês e 15 dias, Cintia Maria teve o primeiro atendimento ocorreu
no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, fez a primeira cirurgia Hospital Quarto Centenário e continuou
o tratamento no hospital da UFRJ.
Quando engravidou e teve
problemas, Cintia foi encaminhada para o Instituto Nacional de Cardiologia. O
filho dela, que está com 11 anos, tratou a cardiopatia congênita logo no início
e hoje não tem problemas. Depois da gravidez, Cintia ficou debilitada, com
muitas limitações, mas operou a válvula cardíaca e voltou a ter vida normal.
“Estudo, trabalho, faço tudo.”
Ela admite que sente alguma
fadiga ou cansaço, mas nada que a impeça de realizar suas atividades. Cintia
faz acompanhamento anual no Instituto Nacional de Cardiologia, para avaliar a
necessidade de troca da válvula. Ela é professora e neuropsicopedagoga.