Muitas vezes não agimos movidos pela razão e sim em função dos nossos preconceitos e inseguranças. Esses sentimentos, por sua vez, teriam a ver com o nosso medo: o medo estaria numa camada ainda mais profunda a orientar os alguns dos nossos sentimentos e então seria assim: por trás de um nosso preconceito estaria o medo, assim como ele também estaria por trás de nossas inseguranças.

Um exemplo que li sobre isso: um povo de uma comunidade mais isolada sentia medo - transfigurado em preconceito - em relação a um grupo de pessoas de outra raça que chegava ao local. Ora, que tipo de gente seria essa? Seriam eles violentos? Que apito eles tocariam, afinal? Esse estranhamento foi muito mais natural nos primórdios, mas ainda persiste em nós, em nossa cultura, embora já vivamos em contato frequente com outros povos. 

De todo modo o fato é que realmente sentimos muito medo. Mas isso não seria algo ruim e muito pelo contrário, afinal, a nossa sobrevivência dependeu muito desse sentimento e em boa medida ainda depende, pois ao agirmos orientados pelo medo nos livramos do perigo. O medo é um alarme que soa quando estamos diante de uma ameaça. Um barulho estranho num lugar ermo e o medo surge imediatamente para nos alertar que pode haver algo ameaçador por perto.

Logo, sendo o medo um dos responsáveis pela nossa sobrevivência, não é difícil imaginar o tamanho da carga emocional decorrente dele que pesa sobre nós. E por conta dessa carga emocional gigantesca a nossa visão muitas vezes é ofuscada: afinal, é melhor não perder muito tempo tentando compreender direito as coisas para não nos expormos ao risco. Nesse sentido, o medo não só nos avisa do perigo como também nos faz agir sem pestanejar: “na dúvida sobre o perigo, não perca tempo, não se arrisque!”, é o que o medo nos diz.

É verdade também que a intensidade do medo varia de pessoa para pessoa, bem como a forma de se lidar com ele. As circunstâncias peliculares da vida de cada indivíduo certamente também vai contribuir para moldar o medo de cada um. Assim é que os mais sensíveis ao medo, por vezes, tendem a enxergar a realidade de forma mais obscura, pois, não raro, as coisas se lhes apresentam a como mais ameaçadoras, sobretudo as coisas novas, ainda não vividas, ou as mudanças em algo que já estava estabelecido. E como o medo funciona não só como uma sirene a nos avisar do perigo, mas também como um impulso para que evitemos o risco sem titubear, os mais temerosos não estão dispostos a tentar entender a novidade ou a mudança que os amedronta.

Assim é que o mesmo medo que nos salva a vida também age sobre nós como uma força que nos impede de trilhar por novos caminhos, de fazer novas descobertas, de poder compreender outras formas de viver, de pensar a vida.

E como lidamos com essa situação? Quem sabe o segredo esteja em conseguir temperar as coisas, de modo a não perder o medo, pois ele nos é vital, mas também de não permitir que ele nos embote demais a vida. 

E como fazê-lo? Um bom começo parecer ser o de tomarmos consciência de que o medo sempre estará a nos orientar, mesmo que não o percebamos claramente, e também que ele é um exagerado por natureza e soará por cautela muitas vezes, mesmo em situações não temerárias.

Vale ter em mente ainda que pela força que exerce sobre o nosso modo de agir o medo sempre serviu de instrumento de dominação. Não raro vemos lideranças econômicas, políticas, religiosas valendo-se do medo para impor as suas vontades aos outros, de modo que vale a pena manter um olhar crítico para esse tipo de coisa para não sermos vítimas dessa emboscada.

Em resumo, parece-nos um bom caminho o de termos consciência de que o mesmo medo que nos salva a vida é também o que limita a nossa existência e impede possamos viver mais plenamente, impede que possamos desabrochar e de exercer toda a nossa potência vital, que é, aliás, para muitos, a razão de estarmos aqui.