#MulheresQueEuConheci

Algumas pessoas marcam mesmo a nossa vida, tanto para o bem quanto para o mal. Lembro-me, como se fosse hoje, o que ouvi de um pastor:

- Vocês precisam deixar marcas por onde passam. 

Tenho tentado fazer isso, e não só isso; tento deixar uma marca positiva por onde passo. Não é propaganda pessoal nem nada, mas, se é para deixar a coisa igual, é preferível nem estar ali.

Não me recordo muito bem quando conheci Maria. A primeira grande lembrança que tenho dela é de quando eu tinha precisamente 15 anos - hoje tenho 42; já faz algum tempo. Ela era esposa de João, um pastor jovem e elegante; ela, da mesma forma, jovem, elegante e muito forte. Mulheres fortes quando chegam já demonstram com sua presença a força que possuem. 

Depois daquele encontro aos 15 anos, volto a ter nova lembrança, quando ela entrou na mesma faculdade que eu. Estava, então, com meus 19 anos, e ela... Bom, vamos deixar isso para lá! Ela era jovem ainda. 

Uma mulher falante, falava alto, divertidíssima, muito inteligente. Conversar com ela era sempre motivo para aprender algo e, também, para dar risadas, muitas risadas. Ela não tinha aulas todos os dias, o que era ruim para mim, pois todas as vezes que ela tinha aula, eu pegava uma carona até o centro da cidade, o que me dava uns 30 minutos a mais de sono e uma pequena economia financeira. Mas a carona não era tranquila! Como na frente sempre estava uma outra amiga nossa, Maria conversava, gesticulava, olhava para trás, soltava a mão do volante. Era uma carona perigosa. Mas a diversão, a economia de dinheiro e principalmente a chance de dormir pelo menos 30 minutos mais cedo faziam valer a pena.

Nossos caminhos não se cruzaram por muito mais tempo. Logo ela deixou a faculdade, e soube que estava doente, vítima de um câncer devastador. Os caminhos de nossas famílias voltaram a se cruzar neste tempo. Ela passou a frequentar a nossa igreja, já que seu marido havia deixado a igreja - não sei bem se pelo motivo da doença da esposa, que exigia muita dedicação dele, visto que a esposa entrava e saia do hospital dia após dia.

Lembro-me bem de uma noite em que a vi, mas a orientação era para não abraçar e nem tocar, tamanha era a sensibilidade por conta da doença. Me lembrei! Era um câncer nos ossos, e os braços sofriam muito. Ver aquela mulher outrora forte, alegre, destemida, ali tão frágil, olhar sofrido e triste, não foi fácil. Eu me lembro muito daquela imagem, principalmente porque foi a última imagem que tive de Maria viva. Inevitavelmente, ela veio a falecer, e aqui fica o relato mais impressionante de pós-morte que vi até hoje.

Maria ficou muito tempo no hospital, pelo que me lembro, perto de 2 anos, saindo e entrando. Então ela teve tempo para pensar, conversar, arrumar tudo que fosse possível. Soube de pessoas que ela chamou para acertar arestas, algo muito especial. Soube de um homem que foi chamado e não foi. Eu não teria coragem de negar o pedido de uma pessoa no leito de morte, por pior que aquela pessoa tenha sido. Liberar perdão e deixar a pessoa partir em paz é muito humano, mas cada um sabe de suas dores e angústias.

No dia do velório, mais de 300 pessoas estiveram presentes à cerimônia fúnebre. Uma folha fotocopiada era distribuída. Pasmo, perplexo e muito impressionado, comecei a ler aquela folha, Maria havia deixado tudo escrito, o que era para ser falado, as músicas a serem cantadas, tudo, tudo, tudo, que era para ser feito naquela cerimônia. 

Eu lido com a morte desde pequeno. Minha mãe nunca me privou de ter contato com a morte, pessoas mortas, velórios, e ainda, onde morava, “de vez em sempre” a polícia, justiceiros ou bandidos deixavam corpos espalhados. Eu vi uma infinidade deles. Mas nada comparado a estar em um velório em que o velado escreveu o roteiro. Nunca tinha visto e nunca mais vi algo assim.

Foi uma cerimônia linda! Muito choro, mas uma lembrança boa, lembranças daquela mulher forte. Até hoje tenho na minha estante o novo testamento grego, que foi um presente dela. De vez em quando eu vejo e tenho uma grata lembrança daquelas caronas perigosas e divertidas.

Maria partiu, porém o seu legado até hoje é lembrado. Todos que conheço, quando falamos dela, falam com um carinho especial e impressionados com sua vida, carreira e cerimônia final. 

Conhecer mulheres como Maria me faz sempre olhar para minha esposa e minhas filhas de maneira especial, desejoso que possa propiciar um ambiente para que sejam mulheres marcantes, assim como aquela Maria.