Dramaturgo
encarou a ditadura e foi perseguido por suas montagens
O mais longevo dramaturgo em
atividade, Zé Celso Martinez, que morreu nesta quinta-feira (6), deixa o legado
de uma arte que revolucionou a política e os costumes. Ele encarou a ditadura
militar e foi perseguido por suas montagens dionisíacas. Zé Celso foi preso,
torturado e exilado, e produziu documentários sobre as revoluções portuguesa e
moçambicana. O documentário Zé Celso: tupy or not tupy lembra que ele trabalhou
com grandes nomes das artes, como Augusto Boal, Chico Buarque, Sérgio Britto,
Raul Cortez e Pascoal da Conceição.
José Celso Martinez
Corrêa nasceu em Araraquara no ano de
1937. Em 1955 entrou para o curso da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, profissão que nunca exerceu. Entretanto no período em que esteve no
Largo São Francisco formou o Teatro Oficina e foi ali que seus primeiros textos Vento Forte para
Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959), foram encenados.
No início da década de 60,
ele se profissionaliza, e a sede do grupo é transferida para o teatro da Rua
Jaceguai, onde três anos depois Zé Celso dirigia Pequenos Burgueses, de Máximo
Gorki, peça de sucesso que ganhou diversos prêmios, mas que foi censurada no
ano seguinte, quando o Brasil mergulhou na ditadura militar. Após um incêndio,
o teatro da Rua Jaceguai foi reformado e a primeira montagem dessa nova fase
foi O Rei da Vela, em 1967, com base num texto escrito por Oswald de Andrade na
década de 30, também encenada por Zé Celso.
A partir de 1968, o grupo
monta Roda Viva, Galileu Galilei e Na selva das cidades. Depois disso, Zé Celso
se dedicou ao filme O Rei da Vela e enfrentou um período de crise, sofrendo com
a repressão. Em 1974, chegou a ser preso, sendo solto depois de 20 dias, e se
exilou em Portugal, onde fez o filme O Parto, por ocasião da Revolução dos
Cravos. No ano seguinte, foi a Moçambique, onde filmou a independência do país.
Zé Celso voltou para São Paulo em 1978 e retomou o trabalho à frente do
Oficina.
Nos anos 80, o ator e
diretor fez um intervalo nas produções, mas passou a lutar pela permanência da
companhia no local, onde já havia se consolidado, já que, em 1982, o dono do
quarteirão onde o imóvel está localizado, o Grupo Silvio Santos, anunciou a
construção ali de um shopping center, gerando mobilização dos artistas junto à
sociedade civil e autoridades governamentais. O tombamento do espaço cênico do
Oficina como patrimônio histórico da cidade de São Paulo contribuiu para a
resistência contra os objetivos do grupo.
A partir de 1990, a
companhia entra em nova fase com o nome de Companhia de Teatro Oficina Uzyna
Uzona, e realiza espetáculos como As bacantes (1996), de Eurípides, e Cacilda!
(1998), que relatou a vida da atriz Cacilda Becker segundo a visão de Zé Celso.
De 2000 em diante Zé Celso se dedicou a recriar a obra Os sertões, de Euclides
da Cunha, publicada em 1902, e fez com que o Oficina fosse palco para
assembleias de movimentos artísticos (Arte Contra a Barbárie) e sociais
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST).
O diretor trouxe ainda a
construção e desconstrução do Arraial de Canudos (BA), tombado pela guerra de
1897, embate do Exército com os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro.
Fazem parte dessa epopeia musical A terra (2002), O homem – parte 1 – do
pré-homem à re-volta (2003), O homem – parte 2 – da re-volta ao trans-homem
(2003), A luta – parte 1 (2005) e A luta – parte 2 (2006), sempre com cerca de
50 artistas em cena, entre músicos, o núcleo de atores e as crianças e
adolescentes do projeto comunitário Bexigão, referência ao bairro do Bexiga,
onde fica o Oficina.
Uma das características dos
espetáculos de Zé Celso é a encenação para o grande público, de graça, ao ar
livre ou em grandes espaços. Um exemplo desse formato é As Dionisíacas,
conjunto de quatro peças que percorreu sete capitais ao longo de 2010. As
apresentações ocorriam sempre em estádios, com entrada franca.