A
vitória de Lula, surpreendente, embora previsível, estimula jornalistas a produzirem
artigos para grandes jornais, na tentativa de prever como agirá o ex-operário e
ex-sindicalista na esfera da legislação trabalhista.
A
personalidade do homem é forjada nos primeiros anos de vida, quando o caráter
se amolda e se revela, para se consolidar na maturidade. A personalidade de
Lula forjou-se na vida operária e nas lutas sindicais. Como operário conheceu
patrão, descobriu o salário, experimentou a divisão da sociedade em classes. Enquanto
dirigente sindical participou de assembleias, disputou eleições, foi
presidente, negociou com empresários, liderou três greves, uma vitoriosa e duas
derrotadas, quando aprendeu a inutilidade da violência contra o Estado.
É
impossível prever o que fará Lula na esfera trabalhista no terceiro mandato.
Lembro-me da reação diante da proposta de nova Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), apresentada em 1979 pelo ministro do Trabalho Murilo Macedo, na
tentativa refrear onda crescente de greves. Consultado pela revista Veja
sobre o calhamaço de 1.300 artigos, distribuídos em dois volumes de 800 páginas,
respondeu: “não adianta remendar a CLT”. “O que é preciso é uma lei básica, com
garantias mínimas, como o máximo da jornada de trabalho, deixando o resto para
ser discutido em convenção coletiva”. Pela prolixidade, o anteprojeto morreu no
ovo.
Como
dirigente, a posição de Lula era favorável à autonomia de organização sindical
e liberdade de filiação. Na Declaração do I Congresso dos Metalúrgicos de São
Bernardo, realizado entre 6 e 8 de setembro de 1974, o Sindicato se declarou,
embora de maneira velada, favorável à ratificação da Convenção nº 87 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Por ocasião do III Congresso, em outubro de
1978, o Sindicato publicou Resolução favorável ao contrato coletivo de
trabalho, ao pleno exercício do direito de greve, à ratificação da Convenção nº
87, “assegurando-se, contudo, o princípio da unicidade sindical”.
O
livro “As Lutas Operárias e Sindicais dos Metalúrgicos de São Bernardo",
escrito com sentido apologético, lido com atenção revela a personalidade
esquiva, habilidosa, contraditória de Lula, que o torna capaz de travestir
derrotas em vitórias, como nas fatídicas greves de 1979 e 1980 (Rainho e
Martines Bargas, Ed. Associação Beneficente e Cultural dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo e Diadema, SBC, vol. 1, 1983).
Empossado
na Presidência da República em 1º de janeiro de 2003, Lula dá partida a projeto
de modernização da legislação trabalhista. No dia 29 de julho de 2003 lança o
Fórum Nacional do Trabalho, instalado no Palácio do Planalto, com a presença de
José de Alencar, vice-presidente; do senador Paulo Paim, presidente em
exercício do Senado Federal; Ministro Maurício Corrêa, presidente do Supremo
Tribunal Federal; ministros de Estado; dirigentes sindicais profissionais e
patronais. Acompanhei a cerimônia, convidado pelo ministro do Trabalho Jaques
Wagner.
O
discurso de Lula foi de improviso. Destaco, porém, a frase: “É preciso adequar
tanto a estrutura sindical, quanto a própria legislação trabalhista ao momento
que nós vivemos. Porque, senão, nós estaremos contribuindo para que, cada dia
mais, os sindicatos representem menos gente, porque hoje, em grande parte das
categorias de trabalhadores deste país, os sindicalistas vão à porta de fábrica
convocar assembleia e, muitas vezes, se deparam com mais ex-trabalhadores
vendendo alguma coisa na porta da fábrica, do que com trabalhadores entrando
para trabalhar”.
A
última frase é modelo de ambiguidade. Lavando as mãos, disse Lula: “O desafio
está colocado, a bola está com vocês. Bom jogo e boa luta”. Sem timoneiro, o Fórum
elaborou Proposta de Emenda à Constituição PEC 369/2005 e Anteprojeto de Lei de
Relações Sindicais, ambos de setembro de 2005, ambos retóricos, ambos abandonados.
Esquecido
da Convenção nº 87, da insegurança jurídica, de milhões de reclamações
trabalhistas, da necessidade de investimentos privados geradores de empregos,
da falta de mão de obra qualificada, Lula confere prioridade à revogação da
Reforma Trabalhista e ao restabelecimento do Imposto Sindical.
Volta
à cena o dirigente metalúrgico.