Desde
a derrubada da primeira República pela Revolução de outubro de 1930, com a
deposição do presidente Washington Luís por Getúlio Vargas, o Brasil
experimenta crescente intervenção do Estado nas relações privadas. A livre
iniciativa é ficção constitucional, tantas são as exigências que cerceiam a
liberdade indispensável à saúde da vida econômica.
Vivemos
o mito do Estado liberal. Somados temos mais de 35 anos de autoritarismo, com
as relações de direito privado submetidas ao controle do Poder Executivo e a conivência
dos poderes Legislativo e Judiciário.
Manifestação
aberta de autoritarismo consistiu na aprovação, mediante decreto-lei e em plena
ditadura, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada em 1º de maio de
1943. Passados 79 anos, a CLT é uma
espécie de obelisco granítico erguido para assegurar a perenidade da era
Vargas. Ao escrevê-la os autores foram pródigos em elogios ao ditador. Veja-se o que se disse o Ministro do Trabalho
Alexandre Marcondes Filho, na Exposição de Motivos: “É o diploma do idealismo
excepcional do Brasil orientado pela clarividência genial de V. Excia.,
reajustando o imenso e fundamental processo de sua dinâmica econômica, nas suas
relações com o trabalho, aos padrões mais altos de dignidade e de humanidade de
justiça social.”
Para
disciplinar o contrato de contrato individual do trabalho, a CLT foi além da
imaginação. Partiam os integrantes da Comissão Elaboradora da presunção de
hipossuficiência, como se os empregados fossem vítimas de falta de
discernimento completo nos assuntos relativos ao contrato de trabalho. O mesmo homem apto a se casar, celebrar
contrato de aluguel, adquirir terreno, construir sua casa, ser candidato ou
eleitor, nas relações com o empregador é considerado o relativamente incapaz do
artigo 4º do Código Civil, equiparado ao pródigo e ao excepcional, sem
desenvolvimento mental completo
Quando
entrou em vigor, a CLT apanhou o País de surpresa. O microempresário,
predominante da economia, não conseguia entender a complexa legislação e como
fazer para se acomodar às novas regras. Se nas grandes capitais as empresas
organizadas se sentiam em condições de contratar alguém apto a lhes dizer o que
acontecia, no interior as informações eram escassas e rudimentares. Poucos
advogados conseguiam interpretar a legislação de 922 artigos que regulamentava a
identificação profissional, jornada de trabalho, férias, salário-mínimo, aviso-prévio,
rescisão contratual, estabilidade, organização sindical, negociações e
dissídios coletivos.
No
afã de intervir, o legislador ignorou a realidade socioeconômica, causando
problemas refletidos na judicialização que congestiona a Justiça do Trabalho. Instituições
filantrópicas, profissionais liberais, micro e pequenos empresários sentem
dificuldades em arcar com os custos exigidos pela CLT e vasto rol de leis,
decretos-leis, decretos e portarias. Atemorizados pelos custos e riscos evitam
contratar, atrasam pagamentos, assumem os riscos da informalidade.
O
trabalho externo não é coisa nova. Sempre existiu. O artigo 62, I, da CLT,
exclui do controle da jornada “empregados que exercem atividade eterna
incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser
anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de
empregados”.
A
pandemia do Covid-19 provocou súbita ampliação de oportunidades e necessidades
de trabalho a domicílio, o home office. Em empresas privadas e nos
serviços públicos, homens e mulheres passaram a responder de forma eficiente
pelas obrigações, sem queda de qualidade e de produtividade. A capacidade de
adaptação do ser humano foi posta à prova e se saiu de forma admirável.
O
Estado é, porém, insaciável na gula intervencionista. Três Medidas Provisórias
acabam de ser baixadas sob os números 1.108, 1.109, 1.116. Tratam do
vale-refeição, do trabalho a domicílio, do trabalho da mulher. A primeira tem
seis artigos; a segunda 47, a terceira 36. As três ignoram os requisitos de
relevância e urgência exigidos pelo Art. 62 da Constituição.
O
mundo jurídico-trabalhista já está convulsionado. Surgirão seminários, debates,
artigos, conferências, congressos em torno das MPs Não será acusada,
entretanto, a exagerada interferência do Poder Executivo relações individuais
de trabalho.