Relator, Carlos Portinho apresentou texto alternativo à
versão original, incluindo possibilidades restritas de divulgação.
O Senado aprovou nesta quarta-feira (28) restrições à
propaganda de apostas de quotas fixas, conhecidas como bets. Entre essas
restrições está a proibição de anúncios ou ações de publicidade com atletas,
artistas, comunicadores, influenciadores ou autoridades. A aprovação do texto
uniu senadores do governo e da oposição, que demonstraram preocupação com o
efeito dessas apostas, especialmente sobre camadas vulneráveis da população. O
PL 2.985/2023 segue para a Câmara dos Deputados.
O projeto, do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN),
havia sido aprovado pela manhã na Comissão de Esporte (CEsp), na forma de um
substitutivo (texto alternativo) do relator, senador Carlos Portinho (PL-RJ). A
votação final seria na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD), que
ainda não foi instalada. Por esse motivo, o texto foi encaminhado para o
Plenário com pedido de urgência.
O projeto original alteraria a Lei 13.756, de 2018,
que trata da destinação da arrecadação das bets, para proibir totalmente a
divulgação desse tipo de jogo em qualquer meio de comunicação. O texto
apresentado por Portinho, no entanto, retira a proibição total e insere
na Lei 14.790, de 2023, que regulamenta as bets, uma série de permissões e
vedações para a promoção das apostas.
— A proposta é encontrar um caminho não de total proibição
da publicidade de apostas esportivas, mas de uma regulamentação capaz de
disciplinar a publicidade sobre apostas, reduzindo sobremaneira o alcance ao
público jovem e às crianças, que de fato não são ou devem ser o público-alvo
das bets, evitando o marketing de emboscada presente sobretudo nos estádios e
arenas esportivas, mas por outro lado valorizando as propriedades publicitárias
e o patrocínio — disse o senador ao ler o relatório.
Portinho lembrou que, após a lei ter regulamentado o
mercado de apostas esportivas, o setor não foi capaz de se autorregulamentar
com relação à publicidade. Muitas vezes, lembrou o senador, há apenas a
inclusão de frases de efeito nas propagandas, lembrando para que os apostadores
joguem de forma responsável. Isso, na visão do relator, não é suficiente,
especialmente no caso de pessoas que sofrem com o vício em apostas.
Empobrecimento
Tanto o relator quanto o autor o texto, senador Styvenson
Valentim, demonstraram preocupação com relação ao o vício em jogos, que virou
uma questão de saúde pública, e ao fato de as apostas tirarem dinheiro até das
camadas mais vulneráveis da população.
— Tem pessoas se degradando, perdendo patrimônio, ficando
doentes psicologicamente, sendo vítimas até de suicídio ou de cobranças de
agiotas. São pessoas que acreditam que vão criar um patrimônio, ficar ricos
jogando porque têm a triste ilusão de um influencer ou de uma pessoa que mente
para elas nas redes sociais ou na TV, numa propaganda dizendo — com carro
importado, com relógio caro, muito bem vestida — que as pessoas vão ter aquele
mesmo padrão de vida jogando nas bets — lamentou o autor, que elogiou o
equilíbrio do relatório.
Pesquisa do Instituto DataSenado feita em 2024 projetou que
13% dos brasileiros com 16 anos ou mais — o equivalente a 22,13 milhões de
pessoas — haviam participado de apostas nos 30 dias anteriores ao levantamento.
De acordo com o Panorama Político 2024: apostas esportivas, golpes
digitais e endividamento a maior parte dos apostadores (52%) recebe
até dois salários-mínimos por mês.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), autor de outro projeto
para restringir ainda mais a publicidade de bets (PL 3.405/2023), disse que,
apesar de ser contra qualquer tipo de propaganda, não poderia deixar de votar a
favor do substitutivo. Para ele, o relator conseguiu construir um texto aceito
pela quase totalidade dos senadores e que, apesar de não resolver o problema,
pode reduzir o impacto desse tipo de propaganda sobre a população.
— Os números estão aí, números de vários setores, inclusive
da Confederação Nacional do Comércio: endividamento em massa do Brasil. (...)
Você tira da produção, tira de emprego e joga para magnata. (...) A questão da
produtividade se perdeu no meio do caminho, a produtividade do brasileiro, que,
para sustentar o vício, tem que pedir demissão, tem que pedir férias para pegar
o dinheiro para pagar aos agiotas — disse Girão.
A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de
Esporte, disse que o substitutivo foi construído com bom senso. Para ela, as
restrições são necessárias, já que o setor, em vez de se autorregular, fez
“manobras” para disseminar ainda mais a publicidade das bets.
— A gente viu essa disseminação em massa de publicidade de
bets, que não trouxe absolutamente nada... aliás, trouxe muita gente com
problemas de vício, índices de suicídio. A gente não pode culpar o setor, mas
temos que fazer o mea-culpa aqui dentro da Casa, porque isso poderia ter sido
feito desde o primeiro momento [quando foi aprovada a regulamentação das bets].
Todas as manifestações de senadores em plenário foram pela
aprovação do texto.
Futebol
Durante a discussão, autor e relator citaram a tentativa
dos clubes de futebol de fazer com que a população ficasse contra o projeto. Em
carta divulgada no início da semana, vários clubes demonstraram preocupação com
a proibição de veiculação de placas de publicidade nos estádios e arenas,
ligadas diretamente a patrocínios de clubes e emissoras.
Portinho informou que preferiria manter o texto original,
com vedação integral à propagando de casas de apostas, mas alterou o texto para
buscar um entendimento e não gerar insegurança jurídica ao setor, já que a
atividade já foi autorizada e regulamentada por leis anteriores.
Com isso, apesar da proibição de publicidade de bets em
estádios e praças esportivas, o texto prevê exceções quando o agente operador
das bets for o patrocinador oficial do evento ou detiver os direitos do nome
oficial do estádio, arena, evento ou competição; e quando o agente operador das
bets for patrocinador no uniforme das equipes participantes da partida ou prova
em curso, limitado a um anunciante por equipe.
O que será proibido
veiculação de publicidade de bets durante a transmissão ao
vivo do evento esportivo;
veiculação de cotações (odds) dinâmicas ou probabilidades
atualizadas em tempo real durante a transmissão ao vivo, salvo quando exibidas
exclusivamente nas próprias páginas, sites de internet ou aplicativos dos
agentes operadores licenciados;
veiculação de publicidade em suporte impresso;
impulsionamento de conteúdo fora dos horários permitidos,
ainda que originado dos canais oficiais dos operadores de apostas;
utilização, em publicidade, de imagem ou da participação de
atletas, ex-atletas artistas, comunicadores, influenciadores, autoridades,
membros de comissões técnicas profissionais ou qualquer pessoa física, ainda
que na condição de figurante. Exceção: ex-atletas, após cinco anos de encerrada
a carreira, poderão fazer publicidade de bets;
patrocínio, direto ou indireto, de agentes operadores de
apostas de quota fixa a árbitros e demais membros da equipe de arbitragem de
competições esportivas;
apresentação ao público de peças publicitárias que mostrem
as apostas como socialmente atraentes, como forma de promoção do êxito pessoal,
alternativa a emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda
adicional, forma de investimento financeiro, garantia ou promessa de retorno
financeiro;
uso de animações, desenhos, mascotes, personagens ou
quaisquer recursos audiovisuais, inclusive gerados por inteligência artificial,
dirigidos ao público infanto-juvenil de forma direta ou subliminar;
promoção de programas e ações de comunicação que ensinem ou
estimulem de forma direta ou subliminar a prática de jogos de apostas;
envio de mensagens, chamadas, correspondências,
notificações por aplicativos ou quaisquer outras formas de comunicação sem o
consentimento prévio, livre, informado e expresso do destinatário;
veiculação de publicidade de teor sexista, misógino ou
discriminatório, inclusive a objetificação do corpo humano ou a associação de
apostas a estereótipos de gênero;
publicidade estática ou eletrônica de apostas de quota fixa
em estádio e praças esportivas, com as exceções incluídas por Portinho no caso
de patrocinador do evento, detentor de direitos do estádio ou quando a bet for
patrocinadora no uniforme das equipes.
O que será permitido
veiculação de publicidade em televisão aberta e por
assinatura, streaming, redes sociais e internet no período entre 19h30 e 24h.
veiculação de publicidade em rádio em dois períodos: das 9h
às 11h e das 17h às 19h30.
veiculação de publicidade em transmissão de eventos
esportivos ao vivo nos 15 minutos anteriores ao início da partida e nos 15
minutos posteriores ao final da partida.
veiculação de publicidade, em qualquer horário, em sites,
páginas ou aplicativos de titularidade dos patrocinados por operadores de
apostas de quota fixa, cujo acesso dependa de ato voluntário do usuário.
exibição da marca dos patrocinadores e agentes operadores
das apostas nas chamadas destinadas a anunciar a transmissão de eventos
esportivos veiculadas das 21h às 6h, desde que não contenham convite, incentivo
ou promessa de ganhos relacionados às apostas; não façam referência a
probabilidades, cotações ou bônus promocionais; e observem a classificação
indicativa;
veiculação de publicidade de apostas em plataformas de
redes sociais ou em outras aplicações de internet para usuários autenticados
que sejam comprovadamente maiores de 18 anos.
Nesse último caso, a proposta do relator assegura ao
usuário da plataforma ou serviço digital o direito de desabilitar facilmente o
recebimento de conteúdos de comunicação, publicidade e marketing relacionados
às bets, por meio das configurações.
Mudanças
Durante a tramitação da matéria na CEsp, Portinho decidiu
acatar parcialmente quatro emendas, uma do senador Romário (PL-RJ) e três do
senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Uma das emendas apresentadas por Girão sugeria a proibição
da participação de ex-atletas na promoção de publicidade dos jogos. A emenda da
foi aceita, mas Portinho incluiu no texto uma exceção sugerida pelo senador
Romário: a possibilidade de participação de ex-atletas com carreiras encerradas
há, no mínimo, cinco anos.
Frase de desestímulo
De acordo com o texto, as peças publicitárias deverão
exibir avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios, de
forma clara e ostensiva, contendo obrigatoriamente a frase: “Apostas causam
dependência e prejuízos a você e à sua família”. A frase, de acordo com
Portinho, foi escolhida durante as audiências públicas sobre o projeto.
Para o relator, a eficácia de medidas restritivas à
publicidade como instrumento de proteção à saúde pública encontra respaldo em
evidências concretas. Ele citou o caso da política antitabagista adotada no
Brasil, que resultou em redução de cerca de 40% no número de fumantes após a
adoção de medidas como a proibição da propaganda de cigarros.
Patrocínio
Atualmente, a lei veda ao agente operador adquirir,
licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos
realizados no país. O texto de Portinho, no entanto, admite que agentes
operadores das bets patrocinem equipes esportivas, com a aposição de suas
marcas nos uniformes, equipamentos e material de campo das equipes. A vedação
permanece para a aplicação em uniformes de atletas menores de 18 anos.
A venda de uniforme de agremiações ou equipes esportivas
patrocinadas por agentes operadores, quando destinada ao público
infanto-juvenil ou ofertada em tamanhos infantis, não poderá conter a marca,
logomarca ou qualquer outro elemento identificador do patrocinador.
O patrocínio a eventos e programas esportivos, culturais ou
jornalísticos, inclusive aqueles transmitidos por rádio, televisão ou
plataformas digitais, poderá ocorrer sem restrição de horário, mediante simples
exposição da marca, logomarca ou outro elemento identificador do patrocinador,
sendo proibida a inserção de mensagens publicitárias além daquelas estritamente
necessárias à identificação do patrocínio.
Além disso, o relatório autoriza as bets a valer-se de lei
de incentivo fiscal e fazer uso de projetos incentivados nas esferas federal,
estadual, municipal ou distrital para o patrocínio de eventos esportivos ou
culturais.
Responsabilidade solidária
Pela lei atual, empresas divulgadoras de publicidade ou de
propaganda, entre eles os provedores de aplicação de internet, deverão excluir
campanhas irregulares após notificação do Ministério da Fazenda. Ainda segundo
a lei, cabe às empresas provedoras de conexão à internet e de aplicações de
internet bloquear os sites eletrônicos ou excluir aplicativos que ofertem bets
em desacordo com as regras após notificação.
O texto aprovado acrescenta que o descumprimento dessas
determinações pela plataforma digital, empresa divulgadora ou provedor de
aplicação de internet implicará responsabilidade solidária pelo conteúdo
veiculado.