O Direito Penal tem por objeto a tutela de bens jurídicos penalmente relevantes, visando a proteção da vida, liberdade, dignidade sexual, patrimônio, dentre outros.

O sistema de persecução penal deve ser utilizado para a elucidação e punição dos crimes praticados, de forma igualitária, independente de quem seja o réu ou o investigado, pois é essa a essência de um sistema criminal minimamente digno de respeito, onde prevalecem as regras do Estado de Direito. Se tal premissa for ignorada, aplicando-se a lei de acordo com o réu, estamos longe do Estado de Direito e intimamente ligados ao Estado de compadrio.

Como exposto acima, o Direito Penal deve ser utilizado contra fatos penalmente relevantes, de modo que a jurisprudência pacificada nos Tribunais Superiores se consolidou no sentido de afastar do cárcere as pessoas que praticam o crime de furto, por exemplo, para saciar a fome. Tal conduta recebeu o nome de furto famélico, dando margem para aplicação do princípio da insignificância.

Ocorre que em alguns casos o objeto furtado possui valor incapaz de produzir um dano efetivo ao patrimônio de outrem, como no caso de uma mãe que furta um pacote de miojo de um mercado para saciar a sua fome e de seus filhos.

Seria injusto punir alguém que já sofre diariamente com a fome, decorrente de ausência total ou parcial do Estado, seja na elaboração e destinação de programas e verbas públicas voltadas para assistência social, seja pelo desprezo e omissão pelas pessoas mais vulneráveis e em condição de miserabilidade.

Não faz sentido movimentar a máquina pública para punir alguém que furtou um pacote de miojo para saciar a fome, enquanto assistimos o sistema se manter inerte e/ou ineficiente em relação a criminalidade do colarinho branco que assola o país de norte a sul.

Em uma República onde pobres são presos por furtar alimentos e ricos criminosos desviam milhões e participam de esquemas ilícitos e ainda assim continuam exercendo cargos e mandatos no alto escalão dos poderes, parece ser um tanto utópico falar em igualdade e processo penal democrático.

Ulysses Guimarães já alertava, em 05 de outubro de 1988, que a moral é o cerne da Pátria e a corrupção o cupim da República.

Passados mais de trinta anos, parece que vivemos em uma República infestada de cupins que se alastram impunemente pelo país, ao passo que em outro cenário vivenciamos injustiças de todas as ordens contra os miseráveis, transparecendo a repugnante e nefasta ideia de higienização social.

Concluo com uma brilhante frase do Min. Luís Roberto Barroso, afirmando que “me recuso a participar, sem reagir, de um sistema de justiça criminal que não funciona, e quando funciona é para prender menino pobre”.