Após as repugnantes tentativas de homicídio sofridas por Maria da Penha Maia Fernandes, em 1983, o Brasil demorou 23 anos para criar uma legislação específica para tutela jurídica das mulheres. O que somente ocorreu, inclusive, após uma condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A omissão e negligência do país em criar mecanismos legais de proteção aos grupos mais vulneráveis já existia naquela época e se perpetua até os dias atuais. Prova disso é que o Congresso Nacional, mesmo após mais de 30 anos da promulgação da Constituição Federal se recusa a criar lei específica para combater a homotransfobia no Brasil. A realidade só mudou após uma decisão da Suprema Corte, no âmbito da ADO 26 e do MI 4733, que equiparou práticas homotransfóbicas ao crime de racismo.

Mas ainda não era o suficiente, no país que mais mata pessoas transexuais, os assassinos não sofriam todo o rigor de uma legislação específica por mero capricho, ou pior, por um preconceito enraizado nas entranhas do sistema, inclusive o de justiça.

Contudo, a Sexta Turma deu um passo importante e garantiu proteção, respeito e dignidade as mulheres trans vítimas de violência doméstica. O relator, Min. Rogério Schietti Cruz, foi preciso ao afirmar que “este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

Por fim, nem seria preciso discorrer ainda mais sobre a importância do julgado e o avanço que isso significa na proteção de todas as mulheres, sem exceções discriminatórias e que afrontam o texto constitucional. A decisão do julgamento deve, sim, ser comemorada por todos, pois a proteção de grupos vulneráveis é algo que diz respeito a todos, o que não ocorre em relação ao afeto e as relações afetivas que cada qual tem com seu par. O combate ao ódio é dever de todos, já o amor entre as pessoas não diz respeito a ninguém mais além do próprio casal.