Em tempos em que o óbvio precisa ser dito, cumpre lembrar que a Constituição Federal estabelece o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, impondo deveres à sociedade, ao Estado e, especialmente nesse caso, à família.

Mais de 620.000 mortos pela pandemia de COVID-19, ausência de políticas públicas coordenadas para enfrentamento da crise sanitária, atraso na compra de vacinas, negacionismo, ausência de empatia e déficit de responsabilidade coletiva. Essas foram algumas das coisas que mais presenciamos ao longo desse período pandêmico.

A esperança para findar a pandemia se concentra em vacinas e responsabilidade transindividual, isso, é claro, no campo da ciência. Ocorre que, ainda que tardiamente, as vacinas estão sendo ofertadas para crianças e adolescentes, mas um novo impasse surge: pais que se recusam a vacinar os filhos.

Destaca-se que o art. 14, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente é explícito ao dizer que a vacinação infantojuvenil é obrigatória nos casos recomendados pela autoridade sanitária e aqui nós estamos falando de vacinas que tiveram autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Seria ainda melhor uma recomendação do Ministério da Saúde, mas lamentavelmente a pasta é liderada por alguém que prefere endossar falas e práticas negacionistas ao invés de buscar efetivar o direito à saúde e à vida dos cidadãos, direitos constitucionalmente protegidos.

Engana-se quem pensa que o exercício do poder familiar é pretexto para não vacinar o filho, pois tanto o ECA como o Código Penal tipificam condutas que possam expor a perigo a vida ou a saúde de quem esteja sob sua autoridade, guarda ou vigilância.

Dito de outro modo, o responsável legal que deixa de vacinar seu filho está incurso, no meu entendimento, as sanções previstas para os crimes de maus-tratos (art. 136, CP), infração de medida sanitária preventiva (art. 268, CP) além de descumprimento, dolosa ou culposamente, dos deveres inerentes ao poder familiar (art. 249, ECA).

Como medida para coibir tal prática, que não encontra qualquer base científica ou lógica, o Min. Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os promotores de justiça de todo o Brasil adotem medidas para viabilizar a vacinação infantojuvenil e eventuais sanções aos pais.

Desse modo, órgãos públicos deverão auxiliar na identificação e comunicação de crianças não vacinadas, ficando o alerta para as escolas e conselheiros tutelares, que deverão informar as autoridades competentes sobre casos de pais que negam o direito à vida e à saúde de seus filhos.

Por fim, como assentado anteriormente, o senso de justiça e responsabilidade coletiva deve se sobrepor a delírios negacionistas e viabilizar a imunização completa de crianças e adolescentes, cumprindo-se assim o mandamento constitucional e legal, garantindo, sobretudo, o direito à vida e à saúde infantojuvenil. Sem discursos vazios, apenas a Constituição.