Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio (homicídio praticado contra a mulher em razão do gênero).

Tal informação revela muito mais que ausência ou ineficácia de políticas públicas destinadas a proteção da mulher, revela a face sombria de uma sociedade que se omite ou que permite que essa prática criminosa se perpetue.

Ao longo da história as mulheres sempre foram vítimas de abusos, violência e tiveram direitos tolhidos. Exemplos não faltam, como a punição que se aplicava a mulher adúltera, a proibição de votar e ser votada, até se chegar ao ponto de permitir que mulheres fossem mortas para que se pudesse defender a honra do homem.

O Brasil sempre foi brando nas punições em matéria de violência doméstica, o que só começou a mudar em agosto de 2006, quando foi sancionada a Lei n. 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Contudo, a referida lei não foi criada por uma preocupação do legislador em proteger mulheres em situação de violência, mas sim fruto de uma condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas a história retroage ao ano de 1983.

Em 1983, no Ceará, Maria da Penha Maia Fernandes foi alvo de duas tentativas de homicídio, sendo seu marido o autor dos crimes. Porém, os anos se passaram e a justiça não se concretizava, razão pela qual, em 1998, o caso foi levado para apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob o fundamento de que o Brasil era tolerante com a violência contra a mulher, bem como a violação de diversos dispositivos de tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Em 2002, a Corte condenou o Estado Brasileiro por omissão e negligência, fazendo uma série de recomendação ao Brasil, dentre as quais o aperfeiçoamento da legislação pertinente, o que resultou na Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006.

A legislação supracitada trouxe grandes avanços na proteção da mulher, especificando crimes, as formas de violência, mecanismos de assistência judiciária e delegacias especializadas, com protocolos específicos e protetivos, bem como a adoção e implementação de medidas protetivas até a possibilidade de prisão cautelar do agressor.

Nesse diapasão, o art. 7º da Lei prevê que são formas de violência doméstica e familiar a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, o que rompe com o velho pensamento de que a violência é somente física. Na verdade, a legislação apenas reforçou e explicitou as diversas faces da violência que são praticadas de forma gradativa até se chegar ao feminicídio.

Lamentavelmente o problema não se resume ao ordenamento jurídico, que passou por diversas transformações e permitiu avanços legais, mas adentra também ao campo social, que permite a perpetuação dessa prática criminosa e nefasta. A sociedade é injusta por omissão, e essa omissão custa vidas.

Desse modo, é preciso romper com paradigmas ultrapassados de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Quando se trata de proteger a mulher em situação de vulnerabilidade e violência a privacidade familiar sede espaço para um bem maior, que é a proteção do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente assegurados.